MAIO de 1996. Por conta de um acordo político feito às escuras, o ministro do Planejamento José Serra nomeou Mauro Costa, um funcionário do terceiro escalão do ministério, como superintendente da Suframa.
Mauro Costa assume com poderes de intervenção, a fim de solucionar supostas irregularidades no órgão. Logo depois, José Serra deixa o ministério para concorrer à Prefeitura de São Paulo e é substituído pelo deputado federal Antonio Kandir (PSDB).
De maio a dezembro de 1996, a Suframa, sob o comando de Mauro Costa, bloqueia os cadastros de 60 empresas e cassa os incentivos de outras 10. Os empresários da FIEAM e do CIEAM vão à loucura.
Além disso, são demitidos 70 funcionários da Fucapi, entre os quais Marise e Mônica Mendes, respectivamente, irmã e sobrinha do governador Amazonino Mendes.
Em 28 de janeiro de 1997, a Câmara aprova, em primeiro turno, a emenda que permite a reeleição de FHC. O governador Amazonino Mendes é apontado como o principal responsável pelo apoio maciço dos deputados dos estados da região Norte.
Corre a versão de que uma das exigências de Amazonino para trabalhar a favor da emenda seria a indicação de um novo superintendente para a Suframa. Após a votação da emenda da reeleição na Câmara, crescem as pressões de Amazonino pela destituição de Mauro Costa.
Em fevereiro, a Suframa e a Receita Federal iniciam uma verdadeira devassa na região. Os empresários amazonenses ficam com os nervos à flor da pele.
No dia 4 de março, Mauro Costa propõe, em reunião do Conselho de Administração da Suframa, o fim do controle do governo estadual sobre as verbas para investimento do órgão – em oposição aos interesses de Amazonino.
Em 9 de maio, o ministro Antonio Kandir confessa que está sofrendo inúmeras pressões pela demissão de Mauro Costa. Cinco dias depois, volta a admitir a existência dessas pressões.
Em 13 de maio, a Folha de S. Paulo revela gravações em que os então deputados Ronivon Santiago e João Maia, ambos do PFL-AC, admitem ter vendido, por R$ 200 mil, seus votos a favor da emenda que permite a reeleição de FHC.
O governador Amazonino Mendes é apontado como um dos responsáveis pelo negócio.
O PFL expulsa os dois deputados, mas não toma nenhuma atitude contra Amazonino. O governador nega envolvimento e diz que não vai depor na comissão de sindicância da Câmara que investiga o caso.
Em 19 de maio, Amazonino pede publicamente a saída de Mauro Costa, apesar de dizer que não tem interesses na Suframa.
O PFL do Amazonas (partido de Amazonino) divulga, no dia 22, documento em que Mauro Costa é acusado de viver com mordomias em Manaus. O superintendente nega as acusações.
Orientados pelo governador, uma dezena de sindicalistas da Força Sindical, com Carlos Lacerda e Vicente Filizzola à frente, queimam um caixão alusivo a Mauro Costa na porta da Suframa e ameaçam paralisar o Distrito Industrial se o superintendente não for substituído.
Em 23 de junho, Amazonino depõe à CCJ sobre o escândalo da compra de votos pela reeleição. Para tanto, teria acertado com o governo a queda de Mauro Costa. Quatro dias depois, FHC confirma que Mauro Costa será substituído. O motivo, segundo ele, foi ter se envolvido com o secretário-geral do PSDB, Artur Virgílio Neto. Os dois visitaram o presidente em Brasília.
FHC diz que Mauro Costa tinha ordens de não se envolver com políticos da região e que a sua substituição respondia a critérios técnicos, mas não diz quais são esses critérios. O presidente é criticado por tucanos do Amazonas, como a deputada federal Alzira Ewerton.
E Parintins com isso tudo?
Bom, há duas versões para o que ocorreu de mais bizarro no festival daquele ano. O certo é que, já naquela época, durante a apresentação dos bumbás na arena, qualquer citação de pessoas que exercessem cargo público era passível de uma perda de 10 pontos para o infrator.
A penalidade estava prevista no regulamento do festival, aprovado pelos dirigentes dos dois bumbás e endossado pela Prefeitura de Parintins.
Numa disputa acirrada, quase sempre decidida por décimos de diferença, uma penalidade daquela monta era a derrota líquida e certa do causador da infração.
A primeira versão da história diz que os dirigentes dos bumbás Caprichoso e Garantido fizeram um acordo de cavalheiros para fazer um desagravo ao governador durante suas respectivas apresentações na arena, no primeiro dia do festival, tendo em vista que Amazonino Mendes tinha sido o principal responsável pelo Festival de Parintins adquirir visibilidade internacional.
Desagravar – ou fazer um desagravo a alguém – é fazer algo bom para a pessoa, e não algo ruim: um desagravo é uma manifestação de apoio (em geral, a alguém injustiçado).
Ficou acordado que o apresentador Gil Gonçalves falaria em nome da Associação Folclórica Bumbá Caprichoso e que o apresentador Paulinho Faria falaria em nome da Associação Folclórica Bumbá Garantido.
Como os dois bumbás cometeriam a mesma infração e ambos perderiam 10 pontos, isso não teria a menor importância no cômputo geral das notas dadas pelos jurados.
O bumbá Caprichoso foi o primeiro a entrar na arena e Gil Gonçalves fez uma verdadeira apologia ao governador Amazonino Mendes, que sempre foi torcedor declarado do Garantido, é bom lembrar.
O bumbá Garantido entrou depois, Paulinho Faria roeu a corda, ou seja, não citou o nome do governador em nenhum momento, e o Caprichoso perdeu 10 pontos.
E perdeu também um tetracampeonato dado como certo porque ganhou as três noites pelo critério de pontuação dos jurados.
Mesmo com os 10 pontos descontados, o Caprichoso ficou apenas 2,5 pontos atrás do Garantido, o que mostra a gritante diferença na apresentação dos dois bumbás.
Paulinho Faria sempre endossou essa história, dizendo que “quem refresca cu de pato é lagoa” e que faria qualquer coisa para ver o Garantido campeão, inclusive “não cumprir um acordo de cavalheiros feito nos bastidores”.
A segunda versão da história diz que nunca existiu esse suposto acordo de cavalheiros para fazer um desagravo ao governador.
Tanto que o bumbá Garantido foi o primeiro a entrar na arena e se apresentou com o regulamento embaixo do braço.
O bumbá Caprichoso entrou depois, Gil Gonçalves teve seus dez minutos de leseira baré (ou “um surto psicótico de puxa-saquismo agudo”, segundo alguns detratores), teceu loas ao governador por iniciativa própria e quase provocou um infarto agudo no miocárdio de Joilton Azedo, presidente do Caprichoso.
Minutos antes de Gil Gonçalves entrar na arena, Joilton havia alertado o apresentador para que ele tomasse muito cuidado com o que iria falar.
Deu no que deu.
Apresentador do boi desde 1990, Gil Gonçalves foi deletado sumariamente da função pelos dirigentes do touro negro e Arlindo Jr. acabou assumindo seu lugar a partir de 1998. Acontece. Cada uma.