O CANTOR Arlindo Pedro da Silva Júnior nasceu no dia 20 de maio de 1968, em Manaus, filho de Arlindo Pedro da Silva e Luzia Souza e Silva. Passou a infância e a adolescência no bairro da Cachoeirinha, na área conhecida como “Bodozal da Maués”, em referência ao poluído igarapé da Cachoeirinha, que corta o bairro de leste a oeste.
Seu primeiro emprego, ainda na adolescência, aos 13 anos, foi como anunciante dos famosos “carros de peixe”, que até hoje percorrem as ruas do bairro: uma picape com uma boca-de-ferro sobre a cabine e várias caixas de isopor no bagageiro cheias de peixes, que são anunciados e vendidos à população.
Um de seus amigos na função, sete anos mais velho, era seu vizinho Paulo Davi Siza, hoje famoso como o cantor “Paulo Davi, o Chique do Brega”, do hit “Minha Pomba Linda” (17 milhões de visualizações no YouTube).
– Ele tinha uma potência de voz muito alta para um pivete de 13 anos – diverte-se Paulo Davi. – Quando as picapes se encontravam na rua, eu só faltava me esgoelar para o meu som ser ouvido enquanto ele parecia que estava conversando com amigos numa mesa de bar. O vozeirão do Arlindo era muito foda!
– Eram duas picapes: a Águia Negra, toda preta, e a Águia Branca, claro, toda branca. A gente tinha que improvisar no falatório para chamar a atenção dos moradores – explicou Arlindo Junior. – Eu mandava coisas do tipo: “Águia Negra da economia / trazendo peixe barato de manhã, de tarde, de noite / trazendo peixe barato todo dia! / Jaraqui vivo e escamado / jaraqui que ainda nem morreu / está só desmaiado! / Tucunaré açu e borboleta / quem pode, compra / quem não pode faz careta! / Matrinchã da escama fina / assada é manjar dos deuses / cozida, uma obra-prima!”. Era muito divertido, parente, papo sério!
Frequentador da quadra do GRES Andanças de Ciganos, na Cachoeirinha, Arlindo Júnior logo conquistou o presidente da escola, o advogado Vilson Benayon, e os principais diretores, os empresários Thomé Mestrinho e Adib Mamede, por conta de sua afinação e potência vocal e, aos 16 anos, já era backing vocal oficial dos levantadores de samba Carlinhos de Pilares e Nei Viana, da escola de samba tricolor, em uma série de desfiles memoráveis no carnaval amazonense. Para começar a cantar em diversos barzinhos pelas noites manauaras foi conta de multiplicar.
Aos 19 anos, ele recebeu um convite para uma apresentação especial em Parintins, no aniversário de uma debutante da cidade. Arlindo Júnior aceitou o convite, ficou encantado com a cidade dos bumbás, se apaixonou por uma das nativas locais e resolveu nunca mais voltar para Manaus. Foi quando iniciou uma proveitosa carreira-solo cantando pagode nos barzinhos de Parintins e comandando um programa diário na Rádio Alvorada.
Quem apostou no talento de Arlindo Júnior para defender as cores do Caprichoso como levantador de toadas foi o compositor J. Carlos Portilho, no ano de 1989. Até então, o cantor trabalhava no Bar Marajá Drinks, em frente ao curral do Boi Garantido, na Baixa de São José, dos jornalistas Floriano Lins e Fred Góes, e era apresentador do “Jornal da Amazônia”, na Rádio Alvorada.
Sondado pelo Caprichoso, Arlindo perguntou de Floriano, com quem morava e chamava de pai, se não havia problema em fazer um teste no boi “contrário”. Foi autorizado na hora. O jornalista Floriano Lins sempre foi uma alma boa. Aquele momento mudou para sempre a vida artística de Arlindo.
– O Periquito (apelido do compositor J. Carlos Portilho) me procurou para eu conversar com o Arlindo Júnior e convencê-lo para ir ao teste, na chácara dele, na beira do Lago Macurani, às 14h. Eu disse para ele ir, porque era importante para a carreira dele. Quando ele voltou para casa, já retornou como levantador de toadas – recorda o jornalista Floriano Lins.
Floriano Lins lembra também que Arlindo Júnior gravou o clipe da toada “Saga de Um Canoeiro”, para o programa Fantástico, da Rede Globo, em plena Festa da Pesca do Peixe Liso, na comunidade São José do Paraná do Espírito Santo de Cima.
– Ele se apaixonou, encarnou a toada e fez dela a sua bandeira musical. Assumiu esse ritmo como mote da profissão e amor pra vida inteira – frisa o jornalista.
Quando o cantor entrou no Bumbódromo pela primeira vez, em 1989, ninguém da nação azul e branca sabia de quem se tratava. Mas bastou Arlindo Júnior dizer “ôiiiiiii” pra galera e liberar os rouxinóis que trazia presos na garganta a partir dos primeiros acordes da Marujada de Guerra para conquistar todo mundo.
Seu jeito brincalhão e carismático de incentivar as coreografias dos torcedores se tornou a cereja do bolo. Não deu outra. Foi batizado pelos torcedores como “Pop da Selva” e passou 15 anos defendendo o bumbá Caprichoso, como levantador, como apresentador, e como levantador e apresentador ao mesmo tempo, sempre recebendo a nota máxima dos jurados. Uma lenda!
Na carreira solo, o cantor lançou 13 discos. O primeiro álbum, “Brincando de Boi”, de 1993, era uma verdadeira homenagem ao Caprichoso. Em “Saga de um Canoeiro”, de 1994, o cantor exalta a cultura amazonense ao abordar as lendas amazônicas.
O CD “Pássaro Sonhador”, de 1996, é um dos maiores sucessos do cantor, que reúne grandes clássicos de toadas de Parintins. Além de “Pássaro Sonhador”, título da gravação, o álbum também conta com as canções “Vale do Javari”, “Índio”, “Kananciuê”, “Lagarta de Fogo”, “Canto da Mata”, “No Compasso da Emoção”, “Canto do Uirapuru”, “Rios de Promessa” e “Templo de Monan”.
Arlindo Júnior também registrou sua imensa capacidade vocal e emoção contagiante em seis discos ao vivo, sendo alguns deles gravados no Teatro Amazonas e no anfiteatro da Ponta Negra, em Manaus. Quase todas as músicas podem ser acessadas em plataformas de streaming na internet.
Com passagem pela vida política, Arlindo Júnior se elegeu vereador de Manaus em 2008, e foi representante do povo manauara na Câmara Municipal por duas legislaturas: 2009-2012 e 2013-2016.
Ele também foi presidente da Fundação Municipal de Cultura e Artes – Manauscult, durante a gestão do prefeito Amazonino Mendes (2009-2012), tendo sido um dos maiores incentivadores da Feira do Tururi, do Boi Manaus e do CarnaBoi, os três principais eventos festivos sobre a brincadeira do “dois pra lá, dois pra cá”, revitalizada pelos moradores de Parintins e enraizada em Manaus.
Em 2016, por meio de redes sociais, o cantor confirmou que estava com câncer de pleura. Na postagem, ele informou que a doença foi diagnosticada como inflamação no pulmão.
Após o primeiro turno das eleições naquele ano, quando não conseguiu ser reeleito, Arlindo Júnior voltou ao hospital porque sentia falta de ar e lá descobriu que teve um derrame pleural, ou seja, entrou água na pleura. A enfermidade inicial havia evoluído para um câncer incurável e insidioso.
Ele passou os três anos seguintes lutando contra o câncer. Descoberta inicialmente nos pulmões, a doença avançou para os ossos e também para o cérebro. Arlindo Junior fazia acompanhamento clínico e tratamento do câncer em São Paulo e Manaus.
No dia 29 de dezembro de 2019, o eterno canoeiro do Caprichoso, aos 51 anos, atravessou para a terceira margem. Ele era casado com Francilene Dourado da Silva e pai de cinco filhos.
Em nota oficial, a Associação Cultural Boi-Bumbá Caprichoso lamentou a morte do artista, considerado uma das maiores vozes do Festival de Parintins de todos os tempos:
“A Associação Cultural Boi-Bumbá Caprichoso, em nome do presidente Jender Lobato e do vice Karu Carvalho, comunica que um dos mais importantes artistas da história de nossa agremiação acabou de falecer, Arlindo Júnior.
A voz do Festival, a voz de nossa galera, a voz do lindo histórico de amor ao boi Caprichoso silencia neste mundo para cantar no mundo celestial ao lado de tantas outras estrelas azuladas. Um filme passa por nossas cabeças. Quantas vezes sua voz deu o tom para que a galera explodisse com a toada Pesadelo dos Navegantes na arena do bumbódromo? Quantas vezes seus olhos derramaram lágrimas ao entrar na arena e ver que ali estavam todos os torcedores apenas aguardando o seu sinal, para que pudessem levar o Boi Caprichoso ao título?
Na memória e no coração azulado estamos com os grandes clássicos do Festival em sua voz. É difícil escrever algo sobre alguém que esteve sempre ao nosso lado, contagiado com sua alegria, com sua linda história.
Arlindo é um dos maiores nomes do Festival de Parintins. Chegou na ilha para cantar em um aniversário, aqui se apaixonou, e não quis mais ir embora. Comandou o programa Buteco do Arlindo na Rádio Alvorada, formou sua banda de pagode, foi levantador das primeiras bandas do Boi Caprichoso. Se tornou levantador de toadas e quando o boi precisou dele também acumulou a função de apresentador. Quanto talento! Dois em um!
Arlindo foi o verdadeiro canoeiro do boi Caprichoso. Levou nosso festival para programas nacionais de televisão, foi a grande voz do boi-bumbá em Manaus na Tevelândia, apoiado pelo Movimento Marujada. Arlindo Júnior é a própria história e hoje eterniza sua memória não apenas na constelação azulada, mas no estado do Amazonas, onde foi reconhecimento pelo trabalho e dedicação à cultura popular.
Arlindo, Pop da Selva, como ficou reconhecido, sua canoa segue a atravessar o grande rio acompanhado pelo silêncio da mata. Por aqui enfrentou banzeiros nas ondas dos rios e das correntezas fez os desafios, na tua canoa partes canoeiro, teu corpo está cansado de tantas viagens e tuas mãos estão calejadas do remo a remar. De tantas remadas, o porto estava distante e realizas tua última viagem ao descansar.
O presidente do Boi-Bumbá Caprichoso, Jender Lobato decreta neste momento luto de 7 dias pelo falecimento daquele que é o maior ídolo da História do Boi Caprichoso, o Pop da Selva, Arlindo Jr. Descanse em Paz, Arlindo Jr.”