Balangandãs de Parintins

O surgimento dos bumbás de Parintins, segundo Jonas Santos

Postado por Simão Pessoa

HOJE é ponto pacífico e indiscutível saber que a carnavalização antropofágica dos bois de Parintins foi realizada por Jair Mendes, mas descobrir como os bumbás surgiram na Ilha da Fantasia são outros quinhentos.

Existem diversas histórias desencontradas sobre a origem de Garantido e Caprichoso, sem que até hoje se possa aferir qual delas é realmente a verdadeira. No livro “Boi Campineiro – A História do Festival de Parintins que não foi contada”, lançado em 2013, o jornalista Jonas Santos elenca algumas delas:

O boi-bumbá de Parintins é herança dos nordestinos e chegou ao Amazonas, provavelmente, no final do século 19. Os migrantes teriam se mudado para cá motivados pelo apogeu no primeiro Ciclo da Borracha, entre 1870 a 1910.

Oficialmente, Caprichoso e Garantido completarão, em 2013, seus centenários. Entretanto, são vários os autores que divergem sobre as datas de fundação dos bois e também diversos agentes sociais contam versões díspares relacionadas à introdução e evolução da brincadeira folclórica em Parintins.

No livro “Parintins: Memória dos Acontecimentos Históricos”, publicado em 2003, pela editora Valer, o historiador-maior de Parintins, o saudoso Tonzinho Saunier, discorda do ano de fundação do Garantido, 1913, e diz que o boi do povão completará, neste ano, 92 anos e não 100, conforme afirmam dirigentes do boi da Baixa do São José.

Para a família de Lindolfo essa narrativa do historiador estaria equivocada. “Nós estamos emocionados em resgatar a história do meu avô, que quando ainda menino criara o boi Garantido”, disse Cleomara Monteverde, neta do criador e presidente da associação que leva o nome do avô.

A principal contestação de apoiadores da tese de Tonzinho estaria na data de nascimento do mestre Monteverde, uma vez que Lindolfo, nesse caso, criara o Garantido aos 11 anos, conforme relato assegurado pela própria família do fundador. A discussão também se debruça sobre uma toada de Tadeu Garcia e Chico da Silva, que fala sobre um sonho do mestre.

Antes da versão oficial, os relatos de contemporâneos na Baixa era de que a gênese do boi de Lindolfo tem iniciação nos seus 18 anos de idade. Isso teria ocorrido após o retorno dele do Exército e em decorrência de uma grave doença que, outrora, foi acometido. Saunier morreu em 1999.

O empresário Marcinaldo Santos, o prefeito de Faro (PA) José Maria Gonçalves e o jornalista Jonas Santos

Sobre o Caprichoso, Tonzinho Saunier também questiona não somente a data de criação do boi, mas quem teria sido o seu criador. O mais afamado poeta, historiador e antropólogo de Parintins não ousa afirmar quem seria “o pai da criança”. Para debater o tema, Saunier levanta vários questionamentos. A primeira hipótese é de que o Caprichoso nasceu na Praça 14 de Janeiro, em Manaus, em 1912, e que no ano seguinte Emídio Rodrigues Vieira levou o folguedo para desenvolver a brincadeira na Ilha. Portanto, Emídio seria o fundador.

Na segunda versão, o criador do Caprichoso seria José Furtado Belém, que no ano de 1913 assistiu a uma apresentação do touro negro, na Praça 14 de Janeiro, em Manaus. Ele gostou da brincadeira e foi quem teria levado o boi para Parintins. José Furtado Belém era parintinense, de grande articulação política e chegou a ocupar o cargo de vice-governador do Amazonas, em 1911, segundo relatos de Tonzinho em sua obra.

Por fim, o historiador diz que a data de criação do boi azul e branco aconteceu em 1925, data confirmada também pelos familiares de Luiz Gonzaga Azêdo, que ainda hoje discordam e protestam que o fundador oficial do Caprichoso seja Roque Cid. Para a família, o criador foi Luiz Gonzaga. Os Gonzaga asseguram ainda que em 2013 o bumbá completaria 88 anos.

Para Simão Assayag, de acordo com publicação em 1995, o Caprichoso chegou a Parintins conduzido pelas mãos de José Furtado Belém, em 1913, e que ao chegar à Ilha o seu Emídio Rodrigues Vieira tornou-se o primeiro dono. Simão relata ainda que o boi Galante, criado também em 1913, é que foi o primeiro adversário do Garantido.

Por conta de uma contenda entre os organizadores, Emídio se afasta da brincadeira e Roque e Tomaz Cid criam um novo boi, ainda nesse mesmo ano, o qual batizam com o nome de Caprichoso. Outra variante, contada por Assayag, é que os bois Garantido e Caprichoso teriam nascido de dissidências. Não se sabe ao certo se foi do primeiro ou do segundo, respectivamente.

Tonzinho dedicou sua vida à pesquisa, a colher documentos, registros históricos, peças arqueológicas e a estudar o folclore parintinense. Apesar de seus anos afins de investigação, porém, não há um desfecho com embasamento científico a respeito desse tema.

Para fechar a conta, em mais uma suposição, Tonzinho atesta que os iniciadores do Caprichoso, em Parintins, no ano de 1913, foram Boboí, Luiz Gonzaga, José Leocádio, Emílio Silva e os irmãos Cid: Raimundo, Pedro e Félix, que vieram do Crato, cidade do interior do Ceará. O historiador não cita Roque Cid.

No livro “Boi Garantido de Lindolfo”, de Dé Monteverde, neto de Lindolfo Monteverde, fundador do Garantido, em coautoria com João Batista Monteverde, filho do criador do boi, o autor também refuta a tese de Saunier e defende que o primeiro boi é o Garantido, criado em 1913, com curuatá, uma espécie de flor de palmeira inajá e seus chifres confeccionados com uma forquilha de madeira revestidos de folhas e flores vermelhas.

De acordo com o que descreve Dé, nesse mesmo ano, Alexandrina Silva, a “dona Xanda”, mãe do menino Lindolfo, ajudou o filho a construir o Garantido utilizando a cabeça de um boi de carne, talas de inajá e como enchimento do corpo se serviu de folha de bananeira e samambaia. “Dona Xanda construiu o boi Garantido mais real. Lindolfo Monteverde criou o boi Garantido em 13 de junho de 1913 com a idade de 11 anos”, diz um trecho do livro.

O Garantido é todo branco e traz um coração na testa. As cores de sua bandeira são o vermelho e branco. Seu primeiro curral ainda está situado na Avenida Vicente Reis (hoje Avenida Lindolfo Monteverde). Em 1995, o boi mudou-se para a Cidade Garantido, localizada na rodovia Odovaldo Novo, bairro São José, onde funciona atualmente seu escritório e acontecem os ensaios e eventos do boi.

Em 1999, a folclorista e historiadora Odineia Andrade, diretora do Departamento Cultural do Caprichoso, em entrevista concedida à TV Amazonas, engrossou o debate ao dizer que o Caprichoso também era de 1920 e que, portanto, em 2013 completaria 92 anos. Mais adiante, porém, as pesquisas da historiadora desembocaram para o registro de que os irmãos Cid foram os fundadores do Diamante Negro, como é chamado o Caprichoso, e que, assim, em 2013 completaria seu centenário. O seu nascimento aconteceu no Esconde.

No centenário do Caprichoso, a versão oficial, fundamentada em pesquisa do Instituto Memorial de Parintins, e que a atual diretoria da agremiação tem embasamento, é de que o cearense Roque Cid foi o primeiro fundador do boi, em 1913, caindo por terra todas as demais aspirações para esse feito. A pesquisa vai mais além e diz que Félix Cid era filho de Roque e ocupava o cargo de amo do Caprichoso.

Ao ressignificar a história do bumbá, o resultado da investigação rememora a mesma designação de Odineia: a de que o nascedouro do touro negro é o bairro do Esconde. Atualmente, o curral do boi está localizado na Rua Gomes de Castro, Centro. O boi é preto, com barra branca e possui uma estrela na testa. As cores do seu pavilhão são o azul e branco.

O apagamento da identidade visual e sociocultural do Campineiro fragmentou no decurso de décadas a memória, a oralidade e a história do boi-bumbá. No âmbito do processo cultural, personagens que protagonizaram a brincadeira também divergem sobre a data de fundação do Campineiro e quem foi o seu criador.

O atual presidente da agremiação, Eduardo Paixão de Souza, 62, afirma que o seu boi-bumbá é o mais velho de Parintins e que seu ano de criação é datado de 1890, na comunidade do Aninga.

Ele diz ainda que seu pai, Emídio Souza, com 18 anos à época, iniciou o folguedo. “Foi a família Andrade, aqui da comunidade, que colocou a brincadeira (em 1890) e o meu pai fundou o boi em 1913”, diz. Na conta de Eduardo, o Campineiro completa em 2013 seus 123 anos.

Saunier não afere a data como verdadeira. Para o historiador, o boi Campineiro “surgiu em 1977, no bairro de Palmares”. Paulinho Faria, ex-apresentador do boi Garantido, discorda. Sem mencionar uma data exata, ele diz que o Campineiro é praticamente da mesma época do vermelho e do azul. “Eu era bem pequeno, mas eu lembro que o Campineiro já brincava boi. Tinha o Garantido e o contrário, mas ele já brincava. O Campineiro é um boi antigo, apesar de não ter vivido tanto tempo”, afirma Paulinho.

O próprio Paulinho, que guarda memórias e peças das histórias dos festivais de muitos tempos, não imaginava que o boi Campineiro ainda sobrevivesse, apesar da exclusão a qual foi relegado, e se mostrou surpreso quando interrogado acerca da situação de resiliência sociocultural a qual o verde e amarelo do Aninga passa há inúmeros anos.

O “dono do Campineiro”, Carlos Leocádio da Silva, o “Camoca”, 63 anos, conta outra versão para o surgimento do folguedo. Ele não sabe precisar a data, mas credita que a fundação do Campineiro tem alternância entre os anos 1913 a 1915. “O Campineiro só é um pouquinho mais novo que o Caprichoso. Tem quase a mesma idade”, afirmou.

Camoca foi quem comandou o Campineiro a partir do ano de 1980 e ficou por cerca de dez anos à frente da agremiação. Ele também difere da argumentação de que o pai de Eduardo Paixão é o criador do boi do Aninga.

Leocádio diz o que verdadeiro fundador do Campineiro é o pai dele, Leovino Leocádio da Costa. “Foi meu pai o fundador, mas antes de passar para a minha responsabilidade o boi ficou com o seu Emídio Calota, lá mesmo na comunidade do Aninga”, assegura.

A decisão de retirar o Campineiro do Festival de Parintins partiu das diretorias do Garantido e do Caprichoso. “Eles não queriam que outro boi estragasse a festa deles, principalmente, com a ajuda oferecida pelo Governo para a produção do festival”, afirmou.

Outro fator que levou o Campineiro a deixar o Festival foi a própria torcida. “O detalhe é que o Campineiro disputava o Festival, mas não tinha torcida. As pessoas que organizavam o Campineiro eram um misto de torcedores do Garantido e Caprichoso”, contou Jonas Santos.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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