Cantadas Literárias

A musa do cowboy

Cormac McCarthy e Augusta Britt em 1976
Postado por Simão Pessoa

Por Edson Aran

Cormac McCarthy conheceu Augusta Britt em 1976. Ele tinha 42 anos. Ela, 16. Na época, o autor cultivava a imagem de escritor maldito e morava em hotéis de beira de estrada. Bebia como um Hemingway e escrevia como um Hammett para revistas pulp numa Olivetti Lettera 32. Suas histórias eram faroestes trágicos com personagens durões que tentavam sobreviver num mundo hostil ou, na melhor das hipóteses, indiferente.

Cormac estava na piscina de um hotelzinho em Tucson, Arizona, quando ela apareceu. Britt era uma moça loira de olhos azuis e trazia um exemplar de bolso de “O guarda do pomar”, primeiro livro do autor publicado 10 antes, em 1966. Ela pediu um autógrafo e foi assim que a coisa começou.

Os dois fugiram juntos para o México (ele providenciou documentos falsos que comprovavam a maioridade dela), viveram como casal em Juarez, voltaram para os Estados Unidos e se separaram, mas nunca deixaram de se ver. McCarthy casou duas vezes depois disso, mas Britt era sempre “a outra”. Durante 47 anos, eles trocaram livros, confissões, fluídos e cartas de amor.

Britt ensinou ao escritor tudo o que ele precisava saber sobre revólveres, vida no campo e cavalos. Ele nunca tinha montado, ela sim. Ele nunca tinha atirado, ela sim. Ele nunca tinha tocado um rebanho, ela sim. Ele nunca tinha sido surrado por um pai alcoólatra e violento, ela sim.

O escritor Cormac McCarthy

A obra de Cormac McCarthy é muito “masculina”, com homens desiludidos e sem senso de propósito. Mas Britt está escondida em vários dos personagens, mesmo os mais ‘machos’ e durões. Ela foi uma mistura de musa, amante e confidente do autor, que morreu em 2023.

A diferença de idade – 26 anos – nunca foi um problema, diz ela. Hoje, aos 62 anos, ela cria cavalos e reluta em escrever sua história, apesar de saber que a autobiografia poderia ser um sucesso. Britt acha que o público jamais entenderia a relação entre ela e o escritor, então prefere lidar com seus animais.

Essa história está contada por Vincenzo Barney no exemplar mais recente da revista “Vanity Fair”. É um perfil jornalístico, mas com pausas para descrições de paisagens, digressões sobre a arte de cavalgar e o jeito certo de segurar um revólver.

A “Vanity Fair” foi fundada em 1913 e é doze anos mais velha do que a “New Yorker”, que está comemorando 100 anos em 2025. As duas publicações se especializaram nisso que costumam chamar de “Jornalismo Literário”, mas que é apenas bom jornalismo escrito com tempo, dinheiro e paixão, três coisas que estão em falta nas publicações impressas que ainda sobrevivem.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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