Por Edney Silvestre
Fui à praia domingo passado. Praia em Nova York? Pois é. Acreditem, é uma experiência digna de registro. Especialmente levando-se em conta que – apesar do céu azul sem nuvens e da presença de um sol que surge às seis e meia da manhã e só se põe depois das oito da noite – ainda estamos no início da primavera, com temperaturas das que no Rio fazem as pessoas tirarem seus casacos de pele da geladeira.
Resolvi ir assim mesmo. Estou trancado dentro do apartamento há sete meses, aturei os ventos árticos toda vez que precisava sair à rua, atravessei o inverno (e aquela tempestade que os exagerados insistem em chamar de “a maior do século”), aguentei dois quilos e meio de casacos e suéteres sobre os ombros por mais de 211 dias seguidos e a convivência com um horizonte barrado pela muralha dos edifícios de Manhattan.
Queria ver aquela faixa azul sem fronteiras que já virou remota memória, queria entrar no mar – coisa que não fazia há quase dois anos –, queria sentir a pele formigando pela comichão da água salgada. Devo confessar também minha insaciável curiosidade, um incontrolável interesse em ver e experimentar aquilo que não conheço. Que, aliás, já me meteu em boas e péssimas. No caso da praia de gringo, ainda não cheguei a uma conclusão de como classificar o que vivi e assisti.
Mas seguramente aprendi duas ou três coisas sobre o povo de cá.
As praias próximas a Manhattan, claro, ficam longe. Existem algumas a que se chega de metrô, como Brighton Beach. Mas são descritas como uma espécie de Ramos-on-the Hudson: sujas, poluídas, tristes e de areia escura. Jones Beach, para a qual meu amigo holandês me convidou, pode ser atingida de trem (uma hora) mais ônibus (vinte minutos), tudo pelo mesmo tíquete de US$ 12,50, partindo da Penn Station, bem no centro de Nova York.
Fomos no carro dele, fazendo um percurso através de estradas impecáveis, margeadas por árvores cheias de flores amarelas. Durou exatos sessenta minutos. No alto verão, comentou (como bom holandês, o verão para ele começa quando os termômetros registram temperaturas acima dos cinco graus centígrados), leva-se de três a quatro horas. Ou seja, o mesmo que uma ida a Búzios, dirigindo a oitenta quilômetros por hora.
Jones Beach é um comprido braço de areia, lagoas e dunas, situado dentro de uma reserva florestal, o Robert Moses State Park. Parte da vegetação é nativa. Outro tanto foi plantado, como a grama de raízes fundas que ajudam as dunas a resistir não só aos ventos como aos furacões. Longa como uma Barra da Tijuca triplicada, a larga faixa de areia é dividida em seis fields – áreas que permitem ao visitante escolher em que tipo de ambiente vai armar sua barraca (que pode ser alugada por US$ 2).
Todos os fields têm estacionamento, que custa US$ 4 de junho a outubro, porém grátis o resto do ano. Interligando as áreas, um boardwalk, um calçadão de madeira de uns oito metros de largura, serpenteia do começo ao fim da praia. Junto dele, a cada dois quilômetros, erguem-se construções de dois andares que abrigam restaurantes, lanchonetes, chuveiros, vestiários e banheiros.
Num field está liberada a prática de esportes, num outro há inúmeras facilidades para quem leva crianças, em mais outro rádio e música de qualquer espécie são proibidos, e por aí vai. Nudismo não é permitido, mas há uma área (depois do final do Field 6, junto á praia gay) onde o toplessa é comum e o bottomless dos rapazes mais ousados os cujos glúteos são o maximus é encarado com bom humor. Entre estes e os lombos dos churrascos preparados por numerosas famílias ficamos nós. O que acontecia ali seria chamado de farofada em Ipanema ou Guarujá. Para meus olhos latinos-americanos, foi uma lição.
É evidente que existem os esnobes, mas americanos é simples e se sente, antes de tudo, com direito ao lugar que frequenta. O que está ali é dele, resultado do imposto que paga com seu trabalho – árduo, diga-se de passagem. Ele se sente com direito a usufruir das ruas e praças, exigir melhor segurança nelas, reclamar ao deputado ou senador que elegeu quando isso não ocorre. Para o nova-iorquino, constantemente emparedado em pequenos apartamentos escuros, sair a espaços abertos já é uma festa. Poder partilhar isso com os amigos e com a família é uma verdadeira celebração.
E era isso que faziam todos ali, com churrasqueiras trazidas de casa, grelhadas seus hambúrgueres e bifes, bebendo suas cervejas ou refrigerantes dietéticos, abraçados a suas pesadas mulheres. Comemoravam estar ao ar livre, comemoravam o parque tão bonito construído com o dinheiro deles, comemoravam serem cidadãos respeitados.
Tudo ali era de todos e de cada um. Até mesmo meu, estrangeiro vindo de um país onde as entidades públicas, sustentadas com nosso dinheiro, nos tratam como se não tivéssemos direito nenhum, como se nos prestassem favores. Se aquilo é Farofa Beach, da próxima vez levo minha própria churrasqueira.