Por Antonio Maria
Conheço dezenas de homens de bem – advogados, médicos, físicos e fiscais de consumo – cujo prazer na vida é ver mulher nua a distância, da janela ou varanda do seu apartamento. Equipam-se para isso. Adquirem binóculos e lunetas, das melhores marcas. Haja o que houver, festa ou trabalho, na hora da noite em que a maioria das mulheres troca de roupa (sete e dez), estão em casa, de luz apagada e binóculo em punho.
A mulher, coitadinha, troca o vestido de janela aberta, porque: Olhando de sua janela, vê as dos outros apagadas e não imagina que possa haver um homem de luneta, a espiá-la. Mesmo desconfiando de que haja alguém a espiá-la, não lhe custa dar esse prazer a uns pobres-diabos que ficam tão felizes com (para ela) tão pouco; Janela fechada faz calor. Segundo o poeta Vinícius, havia “uma mulher tão cheia de pudor, que andava nua”.
Já vi umas três ou quatro mulheres nuas, da minha janela, mas, casualmente, a olho também nu, e não me lembrei, jamais, de voltar à mesma hora, do dia seguinte, a fim de repetir o espetáculo. Convenhamos que dá muito trabalho alguém organizar-se para ver mulheres nuas, de sua janela ou varanda. Tem-se que estar em casa, todos os dias, às sete e dez. Tem-se que mentir aos outros para estar-se em casa, todos os dias, às sete e dez. Tem- se que apagar todas as luzes do aposento e estar-se munido de binóculos e lunetas, da marca Zeiss, excelentes para ver mulheres nuas. Dá trabalho. É como um emprego.
Ao homem de alguma idade e certa experiência, se ele gosta mesmo de mulher nua, é muito mais fácil vê-las de perto. Querendo, pode até dançar blues com elas. Quase nenhuma se recusa.
Ontem, cheguei à janela e minha vizinha de defronte estava um pouco à vontade. Vestida, porém. Blusa branca e saia escocesa, de lã. Sentada numa poltrona, lia uma revista. Até aí tudo muito bem. Mas uma das pernas, a esquerda, espichava sobre uma cadeira. A outra, a direita, fazendo um ângulo de quase 45 graus, abrira-a sobre o braço da poltrona.
Não nego que era bonito o que eu via, de onde eu via, na ordem em que via: primeiro, o pé e a perna esquerda; logo depois, o ângulo de quase 45 graus; em seguida, a saia escocesa (bem pouquinho), a perna sobre o braço da poltrona (descoberta), a revista, as mãos que pegavam a revista e, por cima da revista, dois dedos de testa e os cabelos claros da minha indefensável vizinha. Ao lado, no chão, “esse negro telefone”.
Pensei nos homens, de binóculos e lunetas, que estariam gozando o espetáculo. Tive uma idéia. Pela rua, pelo andar e pelo nome da lista, encontrei um número telefônico que seria, provavelmente, o da minha desguarnecida vizinha. Disquei-o e fiquei à espera, aqui, do que ia acontecer, lá. Vi-a descer o braço e trazer o telefone do chão.
Imediatamente, a voz (grave) ao meu ouvido: “Alô…”
– Quem fala aqui é um vizinho seu. Baixe a perna.
– Baixe o quê?
– A perna.
E, lá, num gesto rápido de defesa e recomposição, baixou a perna que estava sobre o braço da poltrona. Ao mesmo tempo, largou o fone no gancho. Levantou-se e foi à janela. Ficou procurando, por alguns instantes, quem lhe havia telefonado. Depois, fechou a janela, não sei se grata ou com ódio.
Naquela hora, no céu, em homenagem aqui ao colega, os anjos devem ter cantado, em coro: “Guarda a rosa que eu te dei…”
(Publicado no jornal Última Hora, em 3 de agosto de 1960)