Por Aldir Blanc
A febre de mudanças é um fato. Perto da minha casa, na Muda, funciona um centro espírito, a Tenda Eclética Ogum Von Braun. Também os caboclos Pretos-Velhos se adaptaram aos novos tempos econômicos e deram uma reciclada nas entidades. Eis alguns santos com novo sincretismo:
OGUM – Desfila sempre na frente, agora abrindo caminhos com uma imagem do míssil Tomahawk. Guerreiro inveterado, suas novas cores são o roxo-hematoma e o vermelho-sangue. Seu emblema é a máscara contra gazes. Aprecia madeira de dar em doido e muitas pedras tendo crediário na H. Stern.
COMIDAS – Qualquer uma, desde que seja au gratin. É o primeiro orixá a ser saudado depois que Exu é despachado de mau humor num jatinho executivo, levando o pedido de concordata.
PONTO – “Ondó Arê Odidia. / Caiu o muro. / Acabou a guerra fria, / e o Iraque, Vige Maria… / É, minsinfio, / Contra tombo e avaria / bota o teu ouro / Pra render na Golden Guia”.
Uma curiosidade: na Bahia, Ogum deu declarações a favor do novo congelamento e acabou substituído por Oxóssi, adepto da economia de mercado.
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OXÓSSI – Ligado aos caçadores de marajás, Oxóssi se acha o Rei da Cocada Preta. Também é médico ilustre, e foi punido com censura pública pelo C. R. O. (Conselho Regional dos Orixás) por omissão de pontos (Oxóssi estava fazendo despacho em Tóquio), quando Tancredo Neves começou a desencarnar com as flechas do Hospital de Base.
Aconselhado pelo idiota do porta-voz, Oxóssi trocou a gloriosa insígnia da dignidade dos reis, o erukerê (espanta-mosca), por um jet-ski.
É saudado com grito: Okê?! Okê?! Não caiu, porra?! Aí os estudiosos se dividem, atribuindo o tal grito à garça sagrada ou à inflação.
COR – Lusco-fusco de listras zebradas.
PONTO – Depois de um dia inteiro de operações escusas nas Bolsas de Valores do Rio e de São Paulo, Oxóssi canta em tem de lamento: “Erundilê efegun, / Se eu ficar a nenhum / Dou um golpe na praça de Oxum. / Vou mergulhar, tchibum! / Preso, eu aguento essas barras, / Suborno um recebo o Nagi Nahas”.
COMIDA – Crêpe Suzete.
PASTA DE DENTE – Crest.
LOÇÃO DE BARBA – Aquela antialérgica que compra no Boticário.
ELEFANTE – O protótipo Dumbo, da Ferrari.
SONHO DE CONSUMO – Ser sequestrado e depois promover o Oxóssi in Rio.
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BOBÔ – É o rei dos Orichatos. Trocou o crioléu pelo pó-de-arroz. Depois foi dormir no Curintcha.
PALAVRAS MÁGICAS – “Essa coisa” e “a nível de proposta”.
Dança bem diversos ritmos exóticos: lambada, fricote, frescura, desbunda, malê, xixi, cocô.
Quando baixa no terreiro com sua fala mansa e agradável, toda a comunidade canta desesperada: “Xegô Bobô, / tá ali em pé na sala. / Xegô Bobô, / ai, como esse cara fala! / Xegô Bobô / que é metido a dar a pala. / A boca dele / e o meu ouvido rala. / Xegô Bobô, / boca aberta que nem vala. / Vô sartá fora / Queu não seguro essa mala”!
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IANSÃ – Divindade dos ventos, das tempestades, inimiga do Prefeito Marcelo Alencar, provoca enchentes, principalmente na Praça da Bandeira. Capaz de cuspir fogo, é uma parada num bate-boca com a vizinha. Moderna e independente, é a verdadeira autora da festejadíssima frase: Maa áwo lé kunda um odó. (incomodada fica sua avó).
Apesar de ainda manter seus belos cânticos com o tradicional começo olá, na intimidade prefere Julio Iglesias.
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EXU – O brasileiro não pegou bem o espírito da coisa e teme indevidamente a Exu, o que revela uma tremenda babaquice sincrética. Exu é boa-praça, biriteiro, chegado a um pagode em Paquetá. Fiel ao mulatório, nem por isso dispensa bunda de patinadora nórdica.
SIGNO – gêmeos.
BICHO – jacaré.
COMPOSITOR – Moacyr Luz.
E agora dá licença, se eu sou de bem me receba, que Exu vai cantar pra subir: “Detesto bico, não suporto vaselina, / em diploma eu também não sou chegado. / Tomo a primeira logo às nove da matina / a happy hour é conversa de viado”.