Por Andriolli Costa
Há 13 anos iniciava minha vida acadêmica, ainda na iniciação científica. Eu queria trabalhar com folclore, minha orientadora me direcionou ao Sítio do Pica-pau Amarelo e dele ao saci. Lá nos reencontramos, saci e eu. Nós que sempre estivemos juntos nas viagens para a casa dos avós, nas histórias de meu pai, no respeito que a família sempre tinha para com ele. Saci podia ser meu objeto de pesquisa, mas para mim era mais sujeito de memórias e afetos.
E naquele mesmo ano, 2008, descobri a existência de um grupo muito especial. Uma Sociedade de Observadores de Sacis – ou Sosaci, para os íntimos. Como os ornitólogos de longa tradição, que se embrenhavam nas matas para se dedicar ao ato de observação de pássaros, estes intelectuais paulistas, militantes da imprensa alternativa, filósofos e escritores investiam seu olhar de magia para observar aquele que ora é ave – aparecendo como o Sem Fim, a Matinta ou o Peixe Frito, ora é menino arteiro e buliçoso: o saci pererê.
Imediatamente enviei meu e-mail e me filiei às hostes sacizisticas. Sou hoje o associado número 930, dono de uma carteirinha de observador de sacis que me dá direito a observar sacis sem ser incomodado, seja a sós ou de preferência acompanhado. Ela anda sempre na minha carteira, junto com RG e identidade.
Quem me respondeu ao e-mail foi Mario Cândido, o primeiro presidente da Sociedade que foi fundada em 2003. Economista por formação, Mário é mais reservado, mas nem por isso tem menos amor pelo que faz. Ele é que faz as engrenagens girarem, escreve estatutos, projetos e articula parcerias, e fez uma relação inicial dos associados para vislumbrar a presença do saci pelo Brasil.
Durante 10 anos acompanhei de longe as ações da Sosaci, sempre me aproximando aos poucos. Procurei-os para entrevista, tirei dúvidas para artigos. Por diversas vezes pedi ao sócio-fundador da Sosaci, o ilustrador José Luiz Ohi, arte para algum material do Colecionador – e sempre fui atendido com atenção. Quando fui à Mococa contar histórias de Saci, perdi de encontrar outro dos fundadores, o jornalista Mouzar Benedito, por questão de uma semana. Ouvi encantado as histórias que ele deixou pela cidade, impregnando a todos de cultura popular.
Pois nesta última viagem que fiz à São Paulo, totalmente guiada pelo duende brasileiro, precisava tentar marcar nosso encontro. Celebrar os 10 anos de contato virtual. Nos encontramos na casa do Ohi, que nos recebeu com uma belíssima refeição à base de frango com quiabo. Teve até um bolinho com café para coroar a tarde, que foi costurada por histórias. Gerações de saciólogos, observadores e colecionadores. Uma delícia!
Robson Moreira, que já foi presidente da Sosaci, resume em um documentário o sentimento que eu buscava. “As pessoas me perguntam com que frequência eu vejo sacis. Oras, eu vejo sacis o tempo todo. Ver sacis é um estado de espírito“.
Nos poucos anos que tenho de atuação direta com o público, já senti várias vezes o desprezo que muitos carregam com quem se dedica ao universo do encantamento e da cultura popular. Somos inúteis, afinal, para uma sociedade que nos força a ser máquina enquanto queremos ser sonho.
Não poderia ser diferente. “No universo do utilitarismo, um martelo vale mais que uma sinfonia, uma faca mais que um poema, uma chave de fenda mais que um quadro”, escreve Nuccio Ordine em A Utilidade do Inútil. Parar os preciosos instantes do meu dia, onde cada segundo pertence aos donos do capital, para o inútil ato de observar sacis é um choque de desordem. É resistência.