Por Marcos de Vasconcellos
Gambrinus, o rei lendário de Flandres, segundo a crença alemã, foi o inventor da cerveja, líquido do qual são os campeões mundiais de consumo. A presença de Gambrinus no Brasil configura-se num famoso bar de Recife, instalado na zona portuária – uma espécie de Praça Mauá do Rio – e é lá que se reunia, ou ainda se reúne, a intelectualidade boémia local.
Além desses frequentadores, a tripulação elegante de maior escalão dos navios que aportam na cidade também encontra no Gambrinus sua terra firme predileta. E as prostitutas, naturalmente.
Era no famoso bar que se reuniam intelectuais igualmente famosos, como Ariano Suassuna, Gylberto Freire, Antiógenes Chaves, Murilo Costa Rego e o usineiro Zé Ricardo Carneiro da Cunha, uma espécie de grande arruaceiro de luxo, espécie de Mariozinho de Oliveira, industrial e empresário carioca capaz das mais fantásticas molecagens.
Comia-se no Gambrinus em quantidades sensivelmente menores do que se bebia e a mistura frequentemente era explosiva: marítimos, boêmios, pernambucanos, álcool e putas. E assim em certos dias incertos, serviam-se trágicos tiroteios e peixeiradas na casa, não raro com baixas graves.
Um belo dia lança âncoras nas águas pernambucanas o transatlântico Arlanza, um elegantíssimo navio sob bandeira inglesa, e o maestro da banda de bordo, acompanhado dos seus músicos, vai devorar o smongas borg – mesa de frios – do Gambrinus e, se possível, uma das moças da casa.
Zerados os pratos e zerados vários copos, o nível etílico do bar chegou a um ponto crítico da escala Richter e começou o terremoto, findo o qual a orquestra do Arlanza está morta, com exceção do maestro que, desesperado, partiu em busca de músicos na terra, pois, sem orquestra, o fantástico transatlântico não podia ficar. Disseram ao pobre homem que o Zé Ricardo Carneiro da Cunha seria o único a resolver o problema.
De fato, Zé Ricardo resolveu a questão e no mesmo dia apresentou-se a orquestra de músicos brasileiros, todos amigos do aliciador. Não se sabe qual foi a conversa do usineiro com o grupo nem com o maestro, mas, horas depois, estavam al mare. Destino: Rio de Janeiro.
Nenhum dos músicos sequer conhecia um instrumento musical, e após um dia de grossa bebedeira, foram convocados para o baile da meia-noite. Foi quando souberam do problema.
Chegaram ao Rio a ferros.