Por Marcos Vasconcellos
Sertão de Pernambuco, onde “praciano” – como é chamada a gente da metrópole, de Recife – só vai ao seu engenho na hora de recreio. Num forró lascado tocava o quarteto de sempre: sanfona, viola, zabumba e triângulo.
Chega Janjão, cabra brabo que só a peste, conhecido como muito cruel e assassino, e vem com dois jagunços. Tudo armado com punhal de doze polegadas, dois Nagan 44 pra cada um, fora peixeira.
Janjão se chegou junto do que lhe pareceu o chefe da orquestra, o cego do fole, e indagou:
– Tu sabe tocar “Oferenda”, cabra?
O cabra sabia. Janjão abancou-se, mais os dois jagunços.
– Pois toque.
A viola juntou-se à sanfona e amparadas na percussão do couro e do ferro, gemeram todos com muito empenho e sentimento a “Oferenda” requisitada pelo temido visitante.
Para agradar o homem, o cego puxou a música três vezes e inclinou-se para agradecer o cumprimento sério do valente: um gesto curto de cabeça, um ronco.
Janjão não deu a mínima. Apenas avisou:
– Muito bem. Toque outra vez.
A casa cheia, o povo doido pra xaxar, o cego ponderou que tinha que fazer jus à paga e que dali a pouco tocava outra vez, mode não desagradar o pessoal.
Janjão foi seco:
– Toque outra vez. Agora.
Não teve jeito. O grupo tocou “Oferenda” de novo, e ninguém deu um pio. Tiveram que suportar mais uma “Oferenda”, com resignação, e mais uma, mais duas, mais trinta “Oferenda”, emendando cabeça com rabo, e já estavam pelas quatro horas da manhã, o telheiro vazio, quando o cego gemeu uma súplica:
– Seu Janjão, o senhor permite que a gente verta um pouco d’água?
Janjão permitiu:
– Um de cada vez. Os outros continuam tocando…