Boca de ouro, no tempo em que era apenas Raimundo Bispo dos Santos, trabalhou como um coitado durante 6 anos e 2 meses. Aí, desapareceu. Voltou depois, transformado em “Boca de Ouro”, o magnífico: calça azul de linho, camisa verde, anel de doutor e dentadura toda de ouro. Com o tempo, ficou pobre novamente e foi vendendo a dentadura aos poucos – um dente por ano. E, dente por dente, no fim restou-lhe um único, escondido no fundo da boca, mostrado apenas para os íntimos, em ocasiões especiais. Um dia – véspera de Natal –, aos sessenta e tantos anos, apostou que beberia dois copos grandes de cachaça – seu último dente contra uma garrafa de vinho. Ganhou a aposta e morreu. Com dignidade, apesar de tudo.
Percílio foi preso e espancado porque tomou boca com a mulher do delegado. Era um amigão. Depois da aula, sentávamo-nos no muro da escola pra ouvir suas estórias de bravezas e safadezas. Se não lhe dessem comida – dizia-se – podia até morrer de fome, mas não pedia. Também não entendíamos por que ele – contador de causos e sabedor de safadezas do fazer com mulher – precisaria pedir esmolas. Herói nacional da juventude do grupo escolar, morreu de uma facada que lhe deram, não se sabe quem.
A mais famosa do brega era Borboleta. Os meninos, quando iam chegando na idade, começavam a sonhar com ela. Alguns – felizes e invejados – eram premiados com uma gonorréia, exibida com indisfarçável orgulho. Na face luzia uma cicatriz em forma de meia-lua: golpe de navalha. Teve um amante rico, professor e funcionário público. Teve tuberculose e quase morreu. Com alguns anos de prostituição, perdeu carnes e o nome – era apenas “Borboleta”, evocação de uma fantasia usada num carnaval passado.
Fortunato era cego e pedia esmolas. Mais de 20 anos que fazia o mesmo roteiro, passando pelas mesmas ruas em dias alternados. Corria a lenda afinal revelada verdadeira, de que ele tinha dinheiro no banco. Quando ainda enxergava – diziam – fora jagunço, pistoleiro de pontaria firme e certeira. Na hora do almoço parava nas portas e pedia um punhado de farinha pelo amor de deus. E carne, arroz e feijão. Levado à força para o abrigo municipal, num bairro distante e deserto, morreu de fome.
Chico Nu gostava de cantar e dizia-se filho legítimo do Espírito Santo com Santa Madalena. Se a prefeitura não cobrasse o imposto – dizia – faria milagres para os pobres na porta do cinema. Quando perguntavam-lhe se já morrera, pra provar-se vivo tirava a roupa e cantava na praça. No dia da festa do padroeiro despediu-se de todos e anunciou que iria para o céu ser espírito iluminado. Depois, parece que mudou de idéia e foi pra São Paulo ser operário da construção.
Maria de Lourdes, preta e sifilítica, saiu da zona e foi viver com o trabalhador Francelino Oliveira. Com ele, teve 3 filhos e um vestido vermelho. Um dia, enlouqueceu, rasgou o vestido e matou os filhos. Primeiro os menores – Antônio (6 meses) e Damiana (2 anos). Embrulhou-os numa esteira, despejou farinha e querosene, e depois ateou fogo. Fugiu levando a filha Ana Maria (5 anos), cujo cadáver foi encontrado boiando no igarapé do Crespo. Depois encontraram seu corpo, também nas águas do igarapé do Crespo.