Início dos anos 30. Dona Altina, uma senhora recentemente chegada de Canutama, leva a filha de quatro anos para uma consulta de rotina em um Posto de Puericultura localizado nas proximidades da Praça da Saudade. Caçula em uma prole de 19 filhos, a criança não consegue ganhar peso. Ela é tão mirradinha que ganhou o apelido de “Izinha”.
O médico fica perplexo. Com quatro anos, Izinha tem o desenvolvimento físico de uma criança de um ano. Após uma série de exames, ele conclui que a criança sofre de “raquitismo crônico” e dá o veredicto final: o óbito da garota seria questão de meses.
Aos prantos, dona Altina deixa o posto médico com a criança no colo e se dirige à Igreja de São Sebastião. No altar, faz um pedido ao mártir da Igreja Católica que, em vez das honras do palácio imperial, preferiu a honra do martírio para ser soldado de Cristo: se sua filha sobrevivesse, seria batizada como Sebastiana. O santo atendeu suas preces. Dona Altina honrou a palavra.
Quinze anos depois daquela malfadada visita ao pediatra, Sebastiana, aliás, Izinha, havia se transformado em um mulherão. Pense na Juliana Paes. Perde. Além do corpo escultural, Izinha tinha adquirido uma voz afinada e limpa, com um timbre parecido ao da cantora Almira Castilho, mulher de Jackson do Pandeiro. Esse São Sebastião é danado!
Com 20 anos, Izinha resolveu encarar o show de calouros “Tem Gato na Tuba”, apresentado pelo famoso Zé Coió. Foi eliminada em duas eliminatórias, mas passou na terceira e, de quebra, conquistou o papel principal no musical “Chiquita bacana”.
A morena sestrosa não passou despercebida pelo olhar clínico do primeiro sargento-músico Antônio Gonçalves de Melo, sax-alto e clarinetista do 27º Batalhão de Caçadores. Os dois começaram a namorar.
Em 1951, com apenas 23 anos, Izinha engravidou. Um escândalo para as famílias da época. Principalmente porque Izinha era solteira. Se não bastasse isso, o sargento era casado e pai de três filhos, na cidade de Recife (PE), de onde havia vindo e para onde voltaria no ano seguinte. O músico Domingos Lima, que morava em frente à casa da família de Izinha, no Beco do Macedo, impediu que os seus (dela) irmãos capassem o sargento.
Para sustentar o rebento, Izinha encarou pra valer a carreira artística. Virou vocalista do Regional Mariauá (Domingos Lima, violão, Máximo Pereira, violão de sete cordas, Toinho, sax e clarinete, Anúbio Celestino, pandeiro, e Zito, irmão de Danúbio, no bongô) e foi contratada para o “cast” da Rádio Difusora como atração fixa dos shows “Gelomatic”, que tinha como apresentadores Belmiro Vianez e Rômulo Gomes.
A grande diva ocupou esse posto até 1959, quando resolveu parar e dar lugar aos talentos emergentes, como Helena Silva e Kátia Maria.
No ano seguinte, o então governador Gilberto Mestrinho a nomeou agente administrativa do leprosário Colônia Antônio Aleixo. O moleque, Afonso, passou a ser criado por uma das irmãs de Izinha, Tia Lourdes, morou a vida inteira na mesma Rua Xavier de Mendonça, 25, na Aparecida. O menino só recebia a visita da mãe a cada 45 dias. Voltaram a morar juntos, na Matinha, em 1965.
Afonso herdou a musicalidade de Izinha e começou a estudar violão, enquanto concluía seus estudos. Em 74, com 22 anos, montou a banda “Evolução da Revolução” (Almir Fernandes, bateria, Bernardo Lameira, guitarra, Baby Babão, contrabaixo, Beto Beiçola, violão, Ferreira, teclados, e o próprio Afonso na segunda guitarra). Ele também se formou em Educação Física, em 78, e passou a lecionar nos colégios Estadual e Brasileiro.
Aposentada desde 1982, Izinha costumava abrir o vozeirão nas manhãs de domingo e mandar ver: “Convidei a comadre Sebastiana/ para dançar e xaxar na Paraíba/ ela veio com uma dança diferente/ e pulava que só uma guariba/ e gritava a, e, i, o, u, ípsilone”.
E tome xote, baião, rumba, bolero e o diabo a quatro. Os vizinhos vibravam.
Num domingo de março de 1992, entretanto, a tradicional cantoria não se fez ouvir. Afonso, que desde que casara com a administradora de empresas Conceição Barbosa, em 1985, ligava religiosamente para a mãe todo domingo, ficou intrigado com as ligações que não eram atendidas.
No dia seguinte foi ver o que estava acontecendo. Izinha estava caída ao lado da cama, numa tentativa inútil de alcançar o telefone. Havia enfartado na madrugada de domingo. A demora no atendimento deixou sequelas irreparáveis. Ela ficou com um lado paralisado e, o mais grave, impedida de cantar pela atrofia nos lábios.
Durante onze anos, Afonso cuidou pessoalmente da mãe enferma, fazendo das atividades mais comezinhas (dar comida na boca, banhar, assear e levar pra passear em uma cadeira de rodas) um exercício diário de amor filial e cidadania.
Dona Izinha Toscano faleceu em outubro de 2003. Não teve tempo de assistir sua neta, Haydée, entrando na faculdade de Desenho Industrial, nem a outra neta, Izinha, trilhando o mesmo caminho.
Compositor da irreverente BICA, Afonso Toscano e sua inseparável Conceição são pessoas do mais profundo bem-querer de todos os biqueiros da cidade. E, hoje, a eterna diva Izinha deve fazer parte de algum coro celestial comandado pessoalmente por São Sebastião.
O santo protetor da BICA é danado!