Setembro de 1976. Pai do adolescente Clemilton “Peara”, que muitos anos depois seria diretor de bateria do GRES Mocidade Independente de Aparecida e da Batucada do bumbá Garantido, o empresário Franciner Pinto vivia incomodado com a roda de pagode que os meninos do Morro da Liberdade faziam no meio da rua.
Dono de uma conhecida padaria na Rua Dr. Martins Santana, “seu” Franciner cismou que a barulheira dos pagodeiros estava afastando a clientela do seu ponto comercial e começou a criar caso com a rapaziada.
Certo dia, mais puto do que de costume, ele ligou para a Polícia Militar e denunciou que a baderna dos meninos já estava passando dos limites. Nesse dia, por incrível que pareça, começou a cair uma chuva torrencial e os pagodeiros, para não deixar o samba morrer, compraram uma caixa de Caninha 51.
A “mardita” era servida em um único copo, daqueles reaproveitados de embalagem de azeitonas, passado de mão em mão. O lance era jogar a branquinha no bucho e tirar gosto com careta, porque a outra alternativa seria morrer de frio. O pagode estava ficando mais quente do que nunca.
De repente, chega um “fusquinha” da Rádio Patrulha. O soldado-motorista baixou um pouco o vidro, para não se molhar, e começou a chamar um dos pagodeiros. Eles não deram nem confiança. Um segundo soldado começou a fazer coro com o primeiro. Os pagodeiros, nem aí.
Maior autoridade dentro do carro, o cabo arrumou a arma no coldre, saiu do veículo, enfrentou o vendaval e foi lá na roda de pagode, conversar com os baderneiros. Ele nem chegou a abrir a boca:
– Êi, pessoal, esse aqui é o cabo Macaxeira, o rei da caixinha de guerra. Traz logo uma aqui pra ele mostrar seu talento! Aproveita e capricha também numa dose de pinga, que ele é um dos nossos! – avisou Jairo Beira-mar.
Apanhado no contrapé, o cabo sorveu a pinga de uma só lapada, pegou a caixinha de guerra e começou a estraçalhar. Cinco doses de pinga depois, já meio grogue, Macaxeira foi lá no carro da Rádio Patrulha e deu a ordem:
– Avisa pro Comando-Geral que já resolvemos a situação! Depois, desliguem o rádio e vamos cair na farra que todo mundo aqui é sangue-bom!
Os dois outros soldados nem titubearam. Em dois minutos, completamente encharcados de chuva e cachaça, os três militares estavam participando da mais animada roda de pagode de que se tem notícia naquele sábado chuvoso.
“Seo” Franciner nunca mais confiou na Polícia.