Não há nada mais desesperador do que noite de autógrafos para o autor do livro a ser lançado. Na hora da dedicatória, esquece-se até de nome de filho, de mãe, de pai, de parente próximo, o que dirá de amigo.O deputado Sebastião Nery, em campanha eleitoral, lançava livro na Cinelândia e naturalmente sua assinatura era muito disputada por correligionários, eleitores, amigos velhos e novos e o povo em geral.
Durante a provação, a memória massacrada, surge-lhe na frente um cavalheiro tonitruante, grandalhão, acompanhado de mulher e filhos e, em voz alta, desafia:
– Se não disser meu nome, perde meu voto e destes todos aqui!
A vida é muito misteriosa. No tumulto indescritível da grande esplanada da Cinelândia, abriu-se uma clareira de luz nas bilhões de lembranças do Nery e emergiu, cristalino, o nome do homem:
– Claro que sei! Hélio Gábolo Pinto Coelho, meu dirigente sindical favorito e ainda por cima baiano!
Cinco votos.
Ainda Sebastião Nery, ainda na mesma noite, ainda na Cinelândia. Uma das compradoras do livro, moça desconhecida, apresentou-se para o autógrafo.
– Qual o seu nome, minha filha? – perguntou o escritor.
– Michelle.
Parece que se arrependeu, pois curvou-se e sussurrou no ouvido de Nery:
– Olha, Michelle é nome de guerra. Eu me chamo mesmo é Sebastiana.
Dedicatória:
“Querida Michelle. Ajude seu xará.”