Outubro de 2002. A atriz, diretora e professora teatral Selma Bustamante, responsável pelo grupo Baião de Dois, e seu marido, o músico e produtor musical Edgard Lippo, estavam biritando alegremente no Bar do Cinco Estrelas, ali na av. Getúlio Vargas, quando Selma avistou o ventríloquo, bonequeiro e agitador cultural Paulo Mamulengo e o chamou para a mesa.
Paulo havia acabado de voltar de Brasília, onde participara de mais um Encontro Nacional de Bonequeiros, e naquela mesma noite iria viajar para Paricatuba, onde mora. Como Selma também é uma criativa manipuladora de fantoches e mamulengos, além de dedicada estudiosa do assunto, ela estava querendo saber das novidades na área. Os dois começaram a conversar.
O ventríloquo começou a discorrer sobre as peças “A Vingança de Cassimiro”, do grupo de Mestre Zezito, e “Terezinha e o Mar”, com a Cia. Piramundo, que haviam inaugurado o Encontro de Bonequeiros, no Centro Cultural de Brasília. Como não manja patavina do assunto, Edgard Lippo, que já estava pra lá de Marrakesh, fechou a cara, visivelmente aborrecido, e entrou em estado de catalepsia induzida.
Uns vinte minutos depois, quando Paulo, cada vez mais empolgado, contava detalhes pitorescos de “A História de Mané Bocó”, do grupo Titeritar, e explicava alegremente as inovações cênicas introduzidas em “O Casamento do Zé das Moças”, do grupo Mamulengo Presepada, o músico Edgard Lippo saiu do mutismo auto imposto:
– Eu vou te quebrar de porrada! – anunciou, em tom ameaçador, encarando Paulo Mamulengo. – Você está cobiçando os seios da minha mulher!
O ventríloquo tomou um susto. A atriz entrou em pânico:
– Calma, Edgard, que é isso? O Paulo Mamulengo é nosso amigo! Fui eu quem convidou ele pra sentar aqui com a gente…
O músico, parecendo um zumbi de filme do Bela Lugosi, se levantou, meio cambaleando, e continuou a falar, em tom cada vez mais ameaçador, apontando o dedo para o bonequeiro:
– Você é um bandido! Você é um pilantra! Você é um canalha! Você não vale nada! Eu vou te quebrar de porrada pra você aprender a me respeitar e deixar de cobiçar os seios da minha mulher!
Selma, nervosa, se levantou da mesa e, a muito custo, fez o marido voltar a se sentar.
Sem mover um músculo do rosto, Paulo sorveu um novo gole de cerveja, esperou o músico se ajeitar na cadeira e contra-atacou:
– Você conhece a minha mulher, a dona Rô? – perguntou ele, sério que só cachorro cagando na chuva, enquanto encarava Edgard Lippo.
Antes que o músico abrisse a boca, Paulo Mamulengo continuou:
– Pois fique sabendo que a Rô é uma mulher linda, maravilhosa, cheirosa, gostosa, carnuda, boazuda, classuda e de bem com a vida. Ela tem a boca sexy, o riso elegante, os seios belos e duros, uma bunda farta e generosa, um par de coxas formidável, as pernas torneadas, os tornozelos grossos, uma pele sedosa, uma pelugem de algodão, um rebolado que me deixa louco…
Paulo sorveu um novo gole de cerveja e continuou:
– Agora, me responda francamente: você acha que tendo uma mulher linda e bela como a Rô, eu vou perder tempo cobiçando uma bóstia dessa? – e apontou o polegar, com desdém, para Selma Bustamante. – Fala sério, pô!
Foi a vez de a atriz subir nas tamancas:
– Está vendo, Edgard, está vendo? Está vendo o constrangimento que você está me fazendo passar? Você não vale nada, Edgard! Eu bem que podia ter dormido sem essa… Está vendo o que você fez por causa desse ciúme idiota? Você não presta, Edgard, você não presta!
Paulo Mamulengo levantou-se, saiu da mesa e foi embora.
O pau continuou quebrando feio entre o casal.