Fevereiro de 2001. O sambista José Geraldo Cavalcante, mundialmente conhecido como Gera da Vila Isabel, chegou a Manaus para fazer uma série de shows e, de quebra, ainda trouxe a incumbência de atender a um pedido sagrado de seu padrinho espiritual, o consagrado Martinho da Vila: comprar uma manta de pirarucu seco no mercado Adolpho Lisboa.
Numa das vezes em que esteve na cidade, Martinho acabou se encantando com um “pirarucu de casaca” e estava convencido de que sua mulher, Russa, ou a filha mais velha, Martinália, seria capaz de reproduzir a proeza em casa.
No domingo pela manhã, no dia da viagem de volta para casa, Gera foi até o mercadão e escolheu a melhor manta de pirarucu que pôde comprar. Como é de praxe, o vendedor apenas embrulhou o produto em alguns jornais velhos e o colocou numa sacola de plástico.
Cioso do valor do produto que estava levando, Gera nem se preocupou em despachar o peixe como “carga” por meio de uma caixa de isopor, como fazem os nativos locais: ele simplesmente acondicionou o tesouro inestimável na sua sacola de mão, onde levava os melhores ternos, camisas e cuecas.
O voo de Manaus a Brasília foi tão tranquilo, que Gera começou a dormir. Depois da parada técnica, quando a aeronave já se dirigia ao Rio de Janeiro, a porca torceu o rabo. Gera despertou com um cheiro estranho dentro da aeronave. Cheirou os sovacos, para ver se era cecê. Nada. Dissimuladamente, tirou as meias e cheirou para ver se era chulé. Nada.
Incomodado com o mau cheiro, ele chamou a aeromoça e explicou o problema. Ela aspirou o ar interno perto do músico, sentiu os olhos lacrimejarem, o estômago começou a embrulhar e, na sequência, saiu correndo pra vomitar no banheiro.
Depois de se recompor, a aeromoça, discretamente, chamou as outras comissárias de bordo, contou o sucedido e ambas começaram a revistar os compartimentos de cargas internos procurando o maldito rato morto.
O ar putrefato estava invadindo toda a aeronave. Alguns passageiros entraram em pânico, outros começaram a tossir e puxar as máscaras de oxigênio.
Como as comissárias não encontraram o rato morto, resolveram fazer um “pente fino” de cabo a rabo, do setor de fumantes, próximos dos vasos sanitários, ao setor de não-fumantes, perto da classe executiva. Que a essa altura do campeonato, já havia descido a porta corta-chamas, para se isolar da ralé.
Todo mundo foi obrigado a pegar as bagagens de mão e abrir, para ser fiscalizado.
De tão desnorteado com o mau cheiro, Gera já estava quase engolindo o próprio vômito – que batia no início da garganta e voltava.
Quando as comissárias o abordaram, ele só teve condições de indicar a pequena valise abaixo dos seus pés.
Quando as comissárias abriram a valise, o horror: a compressão interna da aeronave havia acelerado o processo de putrefação do pirarucu.
No lugar da bela manta avermelhada, estava uma salmoura negra parecida com chorume de lixeira municipal.
Para sorte do cantor, a descoberta só foi feita quando o avião estava pousando no aeroporto do Galeão.
Constrangido, Gera saiu com a sacola na mão, torcendo para que ninguém esbarrasse na imundície, e a jogou fora, com todos os seus ternos, camisas e cuecas, no primeiro terreno baldio que encontrou ao longo da Linha Vermelha.
Por não ter trazido a preciosa encomenda de Manaus, Martinho da Vila ficou seis meses sem falar com ele. Choses.