Por Marcos Vasconcellos
Só um autêntico espanhol consegue produzir o som da letra Z, ha Zeta. O som da zeta também se estende aos esses e, seguindo instruções dos donos da letra, ensino-lhes a técnica da pronúncia:
“La zeta pertenece aí grupo de las dentales, y se pronuncia colocando la punta de la lengua entre los dientes superiores e los inferiores y arrojando el aliento al tiempo de separaria. Sea cual fuere la vocal con que se junta, su articulación y sonido son siempre iguales.”
Ei-la. Em certas regiões da Espanha a zeta é mais acentuada e adquire um som palatal, pois “la punta de la lengua” recorre ao céu da boca para emiti-la. O resultado é uma espécie de schhh.
Em La Coruna, por exemplo, província do noroeste da Espanha, parte do antigo reino da Galícia, é assim que a zeta se comporta.
Dos espanhóis que vieram para o Rio, participando da simpática colônia ibérica no Brasil, o que mais manteve o som original da zeta foi o empresário da noite Chico Recarey, diria melhor Schhico Recarey, um homem elegante, distraído e divertidíssimo.
Uma das casas noturnas do Chico é o Chiko’s bar, uma espécie de pub carioca onde se ouve excelente música ao vivo. Não há um vocalista ou músico brasileiro que não tenha tocado uma temporada, ou dado o que chamamos de “canja”: o músico famoso chega, é reconhecido pela clientela da casa, aplaudido e, de um modo geral devolve a simpatia dando o seu recado no gogó, no piano, no violão, na bateria, em suma, no seu instrumento.
Ouvimos lá Lani Hall, Lisa Minelli, Helen Merril, isso fora a prata da praça, Tom Jobim, Edson Frederico, Cesar Mariano, etc. etc. A cantora de fé do Chiko’s é a Rose, grande amiga do Chico e uma das melhores vocalistas do Brasil.
Uma bela noite, Rose cantando, entra na casa o grande pianista negro, Ray Charles, que estava fazendo uma temporada no Rio. Rose precipita-se para o músico para as boas-vindas. Algumas pessoas o reconhecem e desabam os aplausos. Mesmo acostumado a recepções amistosas, Ray Charles, que é cego, emocionou-se e se ofereceu para tocar alguma coisa, evidentemente para o entusiasmo geral.
Por via das dúvidas, Rose percorre as mesas e anuncia para todas as pessoas a presença de Ray Charles, informa a importância internacional do homem e pede o máximo de silêncio, para ouvi-lo na plenitude da sua competência.
Ray Charles no piano, tocando e cantando, a casa muda como um templo, entra o dono, Chico Recarey. Passa os olhos pelo ambiente quase religioso do seu bar, chama a Rose num canto e diz em voz alta:
– Quem é eschhe schheguinho sehhentado aí no toco?
O Chico chama o banco do piano de “toco”. Rose, horrorizada, pede silêncio ao Chico. Em vão.
– Masch ele eschhtá me matando a caschha!…
Rose, em pânico:
– Mas Chico! Esse cara é o Ray Charles!…
O empresário, ficando puto:
– O único rei que tem aqui schhou éu!… Tira o cara!…
Tiraram.
O Chico é conhecido como Rei da Noite.