Por Marcos de Vasconcellos
O falecido escrivão juramentado Hugo Leão de Castro, identificável na igualmente falecida Ipanema apenas como Hugo Bidê, era um inveterado boêmio e um doce vagabundo. Lá um dia, sofreu um insulto hepático e foi garantir a sobrevida do fígado e dos bares locais com um médico desconhecido, mas muito recomendado.
Hugo cumpriu à risca a primeira missa terapêutica: nu, obediente, humilhado, apreensivo e diminuído diante do doutor, uma saudável e eterna excelência.
Respondeu com educação e firmeza a todas as perguntas do facultativo que, ao contrário do ponto, infelizmente não o é. E disse a idade, contou as doenças infantis, discorreu sobre a biografia médico-familiar, negou doenças infectocontagiosas (omitiu uma remota gonorréia) etc.
O médico, a cabeça baixa, curvado sobre uma ficha, ia tomando nota mecanicamente, sem um comentário, um olhar, uma humanidade. A última pergunta, antes da sentença:
– O senhor bebe?
Resposta meio hesitante do Hugo:
– Socialmente…
O esculápio, moldado à americana, aparentemente ultrapassou o tempo necessário para escrever “socialmente”. O Hugo, com medo do flagrante, acrescentou com humildade:
– É que eu tenho muitos amigos…