Club dos Terríveis

Aroldo Melodia e a famosa jardineira da tia do Edu do Banjo

Postado por Simão Pessoa

O cantor e compositor Aroldo Melodia fez parte do dream team da União da Ilha, ainda que a escola não tenha ganhado tantos títulos como a seleção de basquete americana original. Na verdade, não ganhou nenhum.

Mas ele foi personagem importante da melhor fase da agremiação: a segunda metade dos anos 70, quando a tricolor subiu para o grupo especial e se projetou com seu estilo bom, bonito e barato, em contraste com a pompa de escolas tradicionais, como a Mangueira, e ricas, como a Beija-Flor de Nilópolis.

Se as imagens de 1977 (exemplares daquela época) eram de balões de gás, carrossel e pranchar de isopor, a voz de Aroldo compunha a cena: com expressão bem-humorada, foi o melhor intérprete para o lirismo de “Domingo”, que falava do lazer do fim de semana, enquanto outras preferiam temas históricos e grandiosos.

O grito de guerra “Alô, bateria! Segura marimba! Minha Ilha! Minha Ilha!” também fez a diferença: imagine se Jamelão desceria do pedestal para fazer algo do gênero.

A União da Ilha ficou em terceiro lugar em 1977, apesar do sucesso de público, que gritou “Já ganhou! Já ganhou” do princípio ao fim, e de crítica: recebeu o Estandarte de Ouro de melhor escola e o de melhor samba-enredo.

A campeã foi a Beija-Flor, mas para insulanos das antigas aquele desfile puxado por Aroldo Melodia será sempre inesquecível.

Aroldo Melodia começou a se apresentar em Manaus a pedido de Antônio José Carriço, então presidente do GRES Sem Compromisso, tendo gravado um dos mais bonitos sambas-enredo da escola, o famoso “Hotel Casina”.

Aqui ele se enturmou com a moçada do pagode e ficou literalmente apaixonado pela “jardineira” da dona Englantina, tia do Edu do Banjo.

Sempre que se preparava para voar para Manaus, ele telefonava antes pedindo para o prato ser providenciado.

Aquela mistura de jabá, jerimum de leite, chouriço, maxixe, quiabo, couve picada e carne-seca deixavam o sambista em estado de graça.

Numa dessas viagens, Rinaldo Buzaglo foi encarregado de apanhá-lo no aeroporto, por volta do meio-dia, mas por conta de problemas técnicos em Brasília, o voo atrasou por quase duas horas.

Aroldo Melodia desceu da aeronave vazado de fome.

Os dois se mandaram para a casa da dona Englantina, onde uma roda de pagode já estava formada. A “jardineira”, entretanto, ainda não dera sinal de vida.

Rinaldo e Aroldo estavam distraindo a fome com uma garrafa de conhaque Palácio.

Aroldo Melodia cantando “É Hoje”, samba-enredo do GRES União da Ilha, de 1982: “A minha alegria atravessou o mar / E ancorou na passarela / Fez um desembarque fascinante / No maior show da Terra / Será / Que eu serei o dono desta festa? / Um rei /No meio de uma gente tão modesta?”

Por volta das três da tarde, completamente gorozado e faminto, Aroldo Melodia foi na cozinha pegar um copo limpo, viu uma panela fumegante no fogo e não teve dúvidas: levantou a tampa, encheu um prato e pôs-se a comer avidamente.

Notando a ausência do parceiro, Rinaldo foi ver o que estava ocorrendo e também não teve dúvidas: encheu um prato e pôs-se a comer gulosamente.

Como a fome era tirana, cada um deles ainda repetiu mais dois pratos. Quase secaram a panela.

Aí, saciados e satisfeitos, voltaram para a roda de pagode, onde se refestelaram em cadeiras de balanço de macarrão.

Dez minutos depois, dona Englantina chamou os pagodeiros para a mesa que a “jardineira” estava sendo servida.

Aroldo e Rinaldo agradeceram, explicando que já haviam comido na cozinha e que a comida estava verdadeiramente deliciosa. Estavam tão cheios que estavam com medo de explodir.

Intrigada, dona Englantina foi até a cozinha ver o que estava acontecendo. Ela quase caiu pra trás.

Os dois “glutões” haviam detonado a comida que estava sendo preparada para as duas cadelas da raça pastor alemão existentes na casa: picadinho de bobó, com arroz, carne de cabeça e ração seca pra cachorro da marca Friskies.

Confundir aquela pasta horrorosa com uma suculenta “jardineira” só mesmo se os dois sujeitos estivessem pra lá de Marrakesh, como de fato estavam. Acontece. Cada uma.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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