Por Luis Fernando Verissimo
A senhora que se sentou ao meu lado no vôo de Chicago a San José, na volta de Detroit, tem uma filha que mora no estado de Kansas. Me perguntou se aquilo lá embaixo era o Kansas. Mostrei no mapa da revista de bordo que não, que estávamos voando mais ao norte, sobre outro daqueles estados quadrados americanos. Mesmo se pudesse distinguir sua filha da paisagem, ela não conseguiria vê-la.
Depois a senhora me perguntou se eu sabia por que as áreas cultivadas que víamos do alto eram redondas. Teria alguma coisa a ver com seres extraterrestres? Respondi que se devia ao método de irrigação. Entusiasmado com meu próprio desempenho nas áreas de geografia e técnica agrícola, esperei pela sua próxima pergunta e por mais uma oportunidade para impressioná-la. Infelizmente, a pergunta seguinte foi sobre um assunto para o qual eu não tinha explicação. Perguntou quem éramos nós e o que estávamos fazendo naquele avião.
Pensei em desconversar até o fim da viagem ou do meu inglês, o que viesse primeiro. Pensei em compensar sua decepção com a explicação racional para as plantações redondas dizendo que nós, sim, éramos extraterrestres, e oferecer meu autógrafo para a sua neta no Kansas. Ela talvez acreditasse. Jamais acreditaria que éramos de um país cheio de preocupações e seguíamos a nossa seleção de futebol não para nos divertirmos, mas para nos preocuparmos ainda mais.
Mostrei vagamente, no mapa, de onde vínhamos. “Oh, Brazil!”, exclamou ela, e em seguida perguntou como estava a floresta amazônica. Respondi que ia bem, para não dizer “Quem se interessa pela floresta amazônica com o Raí e o Zinho do jeito que estão?” Ela falou no Carnaval e eu quase disse que o sentimento que dominava o país do samba naquele momento era o ódio ao próximo e, no caso do Parreira, ao distante. Ela disse que não sabia mais nada sobre o Brasil e eu por pouco não lhe dei parabéns. Não saber nada sobre o Brasil era uma forma particularmente atraente de inocência.
O que nós sabíamos sobre o Brasil, depois do jogo em Detroit, sobrecarregava o avião. Minha companheira de viagem não sabe que quase se espatifou no chão, levada pelo peso de preocupações alheias. Ficou encantada ao saber que o Brasil jogaria com os Estados Unidos no dia 4 de julho. Não entendeu nada quando eu disse que os Estados Unidos eram os favoritos para ganhar o jogo.
No fim, para me agradar, e para se redimir por conhecer tão pouco o Brasil, ela me disse que gostava muito do Julio Iglesias. Agradeci, sinceramente tocado. Qualquer consolo me servia.