Humor

17 de julho. O prisioneiro de La Paz

Postado por Simão Pessoa

Por Luis Fernando Verissimo

Brasil e Itália estão iguais em tudo, até no melodrama. Os dois se arrancaram pelos próprios cabelos do seu abismo para vencer a descrença e chegar a esta final. O abismo da Itália só foi mais recente: a derrota para a Irlanda no começo da Copa. O abismo do Brasil, paradoxalmente, foi nas alturas: a derrota para a Bolívia, no primeiro jogo das eliminatórias. Não esqueça, irmão tremebundo. A jornada que termina hoje começou com uma derrota para a Bolívia. Óperas foram feitas com tramas menos inverossímeis do que esta.

Vou estar atento para um detalhe do enredo, antes do jogo de hoje. Como se comportará a torcida brasileira no estádio, quando anunciarem o nome do Parreira? Até agora a torcida brasileira vaiou o Parreira sempre. Não vaia mais o Dunga. Hesita quando anunciam o Zinho, limpa a garganta, olha as unhas, depois aplaude. Mas vaia o Parreira.

A torcida concedeu a todos um indulto pela Bolívia. Permitiu a todos apagar a Bolívia da memória e da biografia. Menos ao Parreira. Os que antipatizavam com o Parreira tiveram, na Bolívia, a prova de que ele não dava, com ele a seleção seria um vexame. Nada do que aconteceu depois com a seleção, nem a classificação, nem a companha na Copa, redimiu o Parreira da estreia na Bolívia.

Para a torcida, o Parreira continuou retido em La Paz. Para a torcida, Parreira ainda está na Bolívia, de castigo. O time viajou e Parreira ficou. Toda vez que o nome do Parreira é anunciado nos estádios, o que realmente está havendo é um plebiscito. Parreira deve ou não deve ser perdoado? Pode ou não pode sair da Bolívia? E a torcida responde “Nãããão!”

Nenhum lugar do mundo está mais distante da Bolívia do que a festiva e ensolarada Pasadena. Pasadena é a anti Bolívia, o Rose Bowl é o anti abismo. E ainda não deixaram o Parreira vir para cá. Parreira dirigiu a seleção de La Paz. Butch Cassidy, o Sundance Kid e Che Guevara também ficaram na Bolívia. A Bolívia é um sumidouro de heróis prováveis e improváveis.

Hoje, depois que Dunga – outro herói improvável – erguer a taça, é possível que os alto-falantes repitam os nomes de todos, e o nome de Parreira seja recebido com um “Deixa ele vir!”. E Parreira finalmente decole de La Paz. Mas também é possível que não.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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