Por Luis Fernando Verissimo
Um espectro ronda a seleção brasileira na Califórnia: a falta de assunto. Nosso maior inimigo antes da estreia contra a Rússia é a falta de assunto. A delegação brasileira está cercada por um formidável aparato jornalístico e publicitário que precisa de assunto para funcionar. Uma enorme trituradora de fatos novos que, sem assunto, acaba comendo os próprios dentes. Ou inventando catástrofes, só para quebrar a rotina.
Já a seleção precisa da rotina. Parreira deve encarar a rotina como um banho de imersão, um cálido lago manso para ficar, a salvo de novidades, até a estreia. Todas as controvérsias foram resolvidas, ou se não foram resolvidas não têm mais alternativas viáveis. Os jogadores são, irrecorrivelmente, estes. Ele já sabe como vai jogar, não vai mudar nada de convicções agora.
Só o que a seleção precisa fazer é treinar e cuidar para não torcer o pé. A última coisa que Parreira quer, no seu banho de rotina, é que entre alguém correndo e grite: “O Romário fugiu com a camareira!” Já a imprensa e os patrocinadores precisam, urgentemente, que o Romário fuja com a camareira.
Me surpreendi que não tenham surgido mais teses sobre a demissão da nutricionista que não queria feijoada para a seleção. Era um assunto promissor que a máquina testou e cuspiu fora, com desprezo. Uma tese defensável seria a de que o próprio Parreira vetou a nutricionista.
– Mas Parreira, ela tem razão. Feijoada não é comida para atleta.
– Você não vê? Eu preciso da feijoada.
– Por que, Parreira?
– Para repartir a culpa! Se ganharmos esta Copa, a glória é de todos. Se perdermos, a culpa é minha. Preciso de álibis. Preciso do feijão, da costelinha gorda, do rabo de porco…
– Mas Parreira…
– Quero poder declarar “Não foi o esquema – foi o paio! Foi o paio!” Não vou para o exílio sozinho.
O fato é que, até 17 de julho (ou – alguém aí bata na madeira – antes), Parreira vive os seus últimos dias de cidadão razoavelmente comum. Depois, será um santo ou um condenado. O Lazaroni só agora volta do seu exílio. Já se sente relativamente à vontade entre seus compatriotas e até ganhou seu velho emprego de volta. Mas até o fim da vida olhará para trás antes de sentar, com medo que algum ressentido puxe a cadeira.