Humor

7 de julho. Texas

Postado por Simão Pessoa

Por Luis Fernando Verissimo

Por enquanto o centro de Dallas é uma silhueta ondulante no horizonte. Nosso hotel fica antes do centro, já nos disseram para ter cuidado com a sua vizinhança. Estamos na zona gay de Dallas. Não ficou muito claro o que devemos temer nas suas ruas, além de convites para cappuccinos íntimos. Talvez o ataque de motociclistas lésbicas.

Nosso hotel, apesar de se chamar Melrose e ter um certo charme do sul decadente – se Tennessee Williams surgisse de uma das suas portas num robe de seda desbotado eu não me surpreenderia –, não parece servir à comunidade gay, pelo menos não explicitamente.

O prédio do hotel é um ”landmark building”, pertence ao patrimônio histórico da cidade. Tem um restaurante bem cotado – chamado, justamente, “Landmark” – e um simpático bar, “The Library”, com falsos livros na parede e uma ótima imitação da Whitney Houston chamada Nelma Washington que toca piano e canta. Já sabemos onde viremos nos consolar na noite de sábado se a Holanda realizar nossos piores pesadelos cor-de-laranja.

No caminho do aeroporto – que, sozinho, é do tamanho da ilha de Manhattan – para o Melrose passa-se por enormes hotéis, centros comerciais e igrejas e o extraordinário é que os anúncios de todos são iguais: a salvação em Cristo é vendida como qualquer outro produto ou serviço. Um dos placares gigantescos de igreja na beira da estrada anunciava a apresentação naquela noite do “coro que o Inferno odeia”.

O Texas é os Estados Unidos dos Estados Unidos, os outros americanos pensam deles o que o resto do mundo pensa dos americanos, e vice-versa. Eles são primitivos, megalomaníacos, paroquiais ao extremo, acham que tudo pode ser comprado. Mas como dinheiro, aqui, é o que não falta, este “tudo” inclui uma orquestra sinfônica famosa, excelentes museus (está em Dallas uma das melhores coleções de pintura espanhola do mundo) e arrojados exemplos de arquitetura urbana de gente como I.M. Pei. Por mais conservador que seja, nada é tão revolucionário quanto o dinheiro sobrando.

Uma coisa que não conseguiram comprar foi um clima decente. Mesmo sem a ameaça de sermos atacados por hordas de gays hesitaríamos em sair do hotel por muito tempo. O calor é inexplicável. Padeiros do Senegal não conhecem calor igual. Não adianta a brisa, o vento é mais quente do que o ar parado. Melhor ficar no bar refrigerado. Toque outra vez, Nelma.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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