Humor

“Sexy”, Andy Warhol e o triunfo do sexo oral

Postado por Simão Pessoa

Por Edson Aran

Era o meu primeiro dia na revista “Sexy”. Tinha entrado lá pra ser editor e conhecia os donos (Ana Maria Fadigas, Angelo Rossi e o Otávio Mesquita, que era sócio na época). O diretor de redação era o Palmério Dória, ótima pessoa, bom chefe e grande jornalista. Era uma situação confortável mas continuava sendo um trabalho novo e isso deixa todo mundo apreensivo, claro.

Estou lá, provavelmente editando alguma coisa, quando o Palmério me chama na sala dele. Sentada em frente a ele tinha uma moça loira, bonita, sexy, com uma minissaia mais curta que a expectativa de vida na Faixa de Gaza.

Pamério vira pra mim e diz: “Aran, essa moça aqui tem a bunda mais bonita que eu já vi. Mostra a bunda pra ele…”

A moça fica de pé e levanta a saia para revelar uma minúscula calcinha fio-dental. Constrangido e vermelho feito um pimentão, tudo o que fiz foi concordar: “É, de fato, não há como objetar…”

Enquanto o Palmério se segurava para não explodir em gargalhadas.

Entenda: eram outros tempos. Bandos de machos selvagens galopavam soltos pelas pradarias e “patriarcado” era uma palavra que só existia na Bíblia.

A “Sexy” foi a concorrente mais agressiva da “Playboy” e a única masculina que sobreviveu ao derretimento do mercado de revistas. Mas a história da publicação começa há muito tempo atrás numa galáxia distante: o midtown de Manhattan onde ficava a Factory de Andy Warhol.

Warhol foi um dos artistas mais geniais do século 20 e um empresário muito bem-sucedido. Ele não fazia apenas arte, mas também produzia os filmes do Paul Morrissey, os discos do Velvet Underground e uma revista, a “Interview”, criada em 1969.

A publicação era uma espécie de fanzine da Factory, o estúdio-empresa de Warhol. Ela trazia entrevistas de celebridades, perfis de artistas e crítica cultural. Foi nela que a Fran Lebowitz publicou seus melhores textos.

Em 1977, o jornalista Claudio Schleder trouxe a “Interview” para o Brasil. No começo, a revista era semelhante à original, mas logo adquiriu personalidade própria e se transformou em uma versão local da “Vanity Fair”, clássica revista americana de celebridades criada em 1913 pelo magnata Condé Montrose Nast.

Nos anos 80, o Brasil estava falido e todo mundo era mal pago, mas o importante era posar de Yuppie. Revistas elitistas e vagamente pretensiosas davam muito certo. Tinha a “HV”, a “Isto é Senhor”, a “Around”, que depois mudou para “AZ”, e a “Interview”.

A “AZ” sempre teve uma pegada mais iconoclasta, graças ao comando da Joyce Pascowitch e aos inquietos editores Nelson Pujol Yamamoto e, posteriormente, Caio Fernando Abreu. As demais lembravam uma coluna social provinciana.

A “Interview” só começou a mudar quando o Michael Koellreutter assumiu a função de editor. “Micha” passou a intercalar entrevistas picantes com as fotos do “country club”. A inspiração, eu soube depois, veio das revistas dos balneários europeus Mikonos, na Grécia, e Ibiza, na Espanha. A coisa era tipo “La Dolce Vita” com MDMA. Ou, na definição precisa do Lobão, “Décadence avec Élégance”.

Como a “Interview” tinha circulação restrita entre ricos e famosos, todo mundo falava sem pudor. Contava o que fazia na cama, na pia ou pregado na parede. Em duplas, trios, quartetos ou, no caso dos realmente pervertidos, sozinhos. Eram tempos de AIDS e Arnaldo Jabor, na época colunista da “Ilustrada”, resumiu o zeitgeist: como ninguém mais transava, tudo o que restava era falar sobre sacanagem. Foi o triunfo do sexo oral na imprensa.

Os especiais “Interview Sexy” vendiam como banana na feira e não demorou muito para que alguém tivesse a ideia de transformá-los numa revista autônoma.

(continua)

NR: O multimídia (escreve, pinta e borda) Edson Aran é o humorista mais talentoso do Brasil na atualidade e um legítimo herdeiro de Millôr Fernandes, Sérgio Porto e Ivan Lessa. Se você quiser morrer de rir três vezes por semana, deve visitar o Aran e se inscrever na newsletter dele imediatamente, clicando aqui. Eu recomendo.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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