Por Paulo Pestana
As mulheres não compreendem bem a relação de maridos, namorados e afins com os bares – mesmo que muitas sejam frequentadoras autônomas desses estabelecimentos. Talvez por não entenderem que ali é o espaço que todo ser humano precisa para se desligar, uma espécie de parquinho de diversões para adultos, onde são permitidas reações que, em qualquer outro espaço, seriam reprimidas.
É, por exemplo, um local onde os preconceitos podem ser externados sem maiores problemas; não apenas por causa do álcool, mas principalmente porque é uma conversa tão volátil quanto o combustível. Não há ofensa. Só um ambiente mais permissivo, o que torna o botequim o único verdadeiro bastião da democracia.
Nem o Congresso Nacional, que deveria abrigar a diversidade de pensamento da sociedade, oferece tanta liberdade. Não é estranho que aquele reconhecido causídico, defensor de grupos oprimidos, esteja se apresentando aos presentes com uma desajeitada posição de sentido, incluindo o olhar fixo no horizonte, e uma continência.
Estamos em tempos de continência. Na acepção mais restrita da palavra, significa contrição, comportamento moderado, comedimento. Mas a continência em voga é a saudação militar mesmo, que parece ter deixado a caserna para invadir a rua. Até o flanelinha se pôs ereto e fez o gesto depois de receber o punhado de moedas.
Mesmo quem nunca frequentou um batalhão está se esmerando para saudar os companheiros com a mão direita espalmada sobre a fronte. Não tem nada demais, até os escoteiros se saúdam com uma versão reduzida – apenas três dedos – acompanhada (ou não) do lema: “sempre alerta”. Mas escoteiro, a gente sabe, anda de calça curta. E em tempos idos, o técnico João Saldanha encerrava seus comentários na tevê com um gesto parecido.
Não dá para dizer que a disciplina militar chegou ao botequim; a baderna continua a mesma. Ao contrário, a continência é a gaiatice da vez, aquela leve desobediência à autoridade – qualquer uma delas – sem qualquer pretensão de subverter qualquer coisa.
O que pouca gente sabe é que a continência nasceu de uma facilidade. Os cavaleiros da idade média se cumprimentavam levantando o visor do elmo, uma forma de demonstrar camaradagem e respeito. Não era um movimento fácil e com o tempo evoluiu, primeiramente para a mão direita espalmada à frente, depois para o gesto usado até hoje.
Antes disso, os romanos, militares ou civis, usavam a saudação com o braço todo levantado enquanto se dirigiam ao imperador – “ave, César”. Foram imitados por Hitler, que instituiu um gesto semelhante, mudando o brado para “heil, Hitler”.
No Brasil, os integralistas macaquearam o modelito, só trocando a saudação, que passava a ser “anauê”, saudação extraída da língua tupi – eles também tentaram eliminar o Papai Noel, trocando-o por um índio ainda mais mal-encarado que aquele velhinho de barbas brancas e longas. Mas esta é outra história.
Pois a continência está de volta, e do lado de fora dos quartéis. Depois que o presidente eleito saudou até jogador de futebol, abriu a porteira. Por enquanto, tudo bem, pelo menos enquanto não nos obrigarem a usar bate bute.
(Publicado no Correio Braziliense de 14 de dezembro de 2018)