Por Jaguar
Minha última esperança de achar um pé-sujo com serragem no chão no Rio se desfez quando dei um rolê na Bangladesch, apelido das ruas em torno da estação da Central do Brasil. Acredite se quiser: o último boteco que vi com serragem no chão foi em Nova York, o McSourleys’s Ale House, fundado em 1854, o mais antigo da cidade, 43 anos mais velho que o Bar Luiz.
Por que a serragem no chão? Porque houve um tempo em que os bares eram frequentados por machões que cuspiam no chão, quer dizer, cuspir não cuspiam, mas erravam o alvo e a cusparada caía fora da escarradeira, que hoje custam fortunas nos antiquários. Aliás, o McSourleys’s foi o último bar do mundo (juntamente com a Gruta Metrópole, de Belo Horizonte) a proibir a entrada de mulheres. Apelou até para a Suprema Corte, sob a alegação de que não tinha banheiro de mulheres. Perdeu e ainda foi obrigado a construir um WC para as damas. Mais uma vitória do feminismo.
Mas voltando a Bangladesh: fiquei o cotovelo no balcão do Bar Magnífico, depois de dar umas voltas de reconhecimento, decepcionado por não ter encontrado nenhum boteco com serragem nem murais de Milton Bravo & Filhos. Há vinte anos, dois em cada três bares naquela área eram decorados com as obras do artista. Que eu saiba, só restaram três murais: na Adega Flor de Coimbra, na Lapa, no Jobi, no Leblon, e no Pirajá, em São Paulo.
O Magnífico, a bem da verdade, de magnífico tem pouco. Jurubeba, Fogo Paulista, cerveja, cachaça de segunda e os indefectíveis petiscos: jiló, asa de galinha e ovo cor-de-rosa, todos com cara de véspera. Na calçada, um negão vende churrasquinho de gato junto a um poste disputadíssimo. Não me perguntem por quê. O fato é que tinha um aleijado encostado, assim que saiu o lugar foi ocupado por um cego (pelo menos estava como uma bengala branca) que inspecionava atentamente as bundas das piranhas de minissaia e shorts mais mínis ainda.
O bar, estrategicamente situado em frente aos hotéis Rio-Santiago (ar refrigerado, garagem próprias e cine privé), Central e Estação, é parada obrigatória das moças de aluguel e seus cafifas. Uma menina aparentado quatorze anos me oferece chicletes. Não, obrigado. A outra opção: boquete. Um cara, que bebericava uma Caninha da Roça ao meu lado no balcão, me dá a xerox um tanto quanto amassada de um cartão de visitas oferecendo serviços de marceneiro, eletricista, pintor e encanador.
– Também trago muamba do Paraguai. Não está no cartão. Tenho umas menininhas para oferecer ao doutor. Também não está no cartão. E faço mágicas. Mas esse é um outro eu.
Gesticula com a desenvoltura de um Mandrake para mostrar que não tem nada nas mãos. Fecha a mão esquerda e com a outra começa a tirar uma interminável fita de seda vermelha. Pago uma cerveja pra ele. Convida uma amiga, que tinha substituído o cego no poste. Os cabelos dela vão até a barra da minissaia. E tem um nome – André – tatuado na coxa. Miudinha, deve ser dimenor.
– Ela também é mágica – informa.
A moça repete o número da fita, com menos perfeição.
– Faço outras mágicas – e vira significativamente a cara para o hotel Rio-Santiago.
– Quanto?
– Cinco pro hotel, vinte pra mim.
O mágico dá uma força:
– Mais barato que Viagra.
– Só não beijo boca – adianta ela.
Paguei a despesa e fui dar um bordejo pela área. No mar de barracas atrás da Central encontrei uma anã que conheci quando eu estava na pior, sem grana para pagar aluguel, morando na sede do Pasquim, na rua da Carioca, pouco antes do jornal falir de vez. Comprava jornal e ia tomar uma cerveja gelada sentado num banco do balcão quando ouvi um psiu. Baixei o jornal e olhei em volta, não vi ninguém. Outro psiu: olhei pra baixo e dei com a anã.
– Quer fazer uma coisa gostosa?
Peguei a criatura – era uma pretinha com menos de um metro e quarenta de altura – e a instalei no banco vizinho:
– Coisa gostosa tipo o quê? Chupar um soverte?
Ela ficou puta, ou melhor, mais puta nos dois sentidos.
– Se você quer saber, eu me garanto debaixo de um negão muito mais moço e muito maior que você!
Dessa vez fui eu que a abordei, dizendo que era jornalista e estava querendo fazer uma reportagem.
– Vai à merda, gringo escroto.
Sumiu, no meio da multidão. Puxa, será que depois de tantos anos, ainda se lembra do nosso encontro matinal?
Fui dar uma peruada nas barracas. Vendem de tudo, a um real. Brincos, óculos, churros, x-tudo.
Por menos de cinco paus, um programa cheio de emoções, mesmo para quem não tenha uma vida airada como a minha.
Bar Magnífico. Esquina da praça Cristiano Otôni com rua Senador Pompeu. Diariamente, das 7 da manhã até o último freguês.