Boemia

Timpanas

Postado por Simão Pessoa

Por Jaguar

Há algum tempo, numa palestra no auditório do jornal O Dia, Ricardo Cravo Albin disse que com o fechamento de certos restaurantes e bares o Rio vai ficando cada vez mais pobre.

– Não é, Jaguar?

O pessoal caiu na risada. Quando o assunto é bar, sempre sobra pra mim.

– Não é pra rir – protestou Ricardo com sua habitual veemência.

E não é mesmo. Quando “seu” Lino morreu, poucos dias depois o Timpanas fechou as portas. O navio afundou com seu comandante.

Quando o Zeppelin e a Taberna da Glória fecharam as portas pelo menos houve um porre de despedida. Depois de 60 anos o Timpanas acabou na calada da noite; os frequentadores saíram de lá no dia 29 de dezembro de 1999 sem saber que nunca mais voltariam.

Há coisa de meses reabriu com o nome de Alentejano. Mas sem “ seu” Lino c’est pas la même chose. A comida continua boa e farta como numa casa de pasto que se preza. Deram uma guaribada na decoração e botaran a indefectível televisão para piorar a poluição sonora e visual.

“Seu” Lino fazia questão de servir o scotch e a bagaceira caprichando no choro; enquanto enchia o copo, soluçava feito uma carpideira e estalava a língua ao nosso primeiro gole.

Esse ritual só se tornou possível porque o patrão dele numa aldeia em Trás-os-Montes o obrigava a raspar a cabeça. Trabalhava desde garoto numa venda em troca de comida e um corte de cabelo mensal.

Quando estava com 16 anos, já de olho nas raparigas, pediu ao barbeiro para deixar uma pompinha, como dizia; deve ser um topete. O patrão, implacável, mandou-o raspar o crânio.

– Vou para o Brasil – comunicou à mãe. E foi. Ralou que nem um condenado, fez seu pé-de-meia e, no começo dos anos 50, já sócio do restaurante, comprou um Mercury do ano, pegou o Serpa Pinto e foi para Portugal com a mulher e o carro a bordo.

Desembarcou em Lisboa e foi direto até a aldeia em Trás-os-Montes. Estacionou na frente da venda do ex-patrão e buzinou até ele aparecer.

– Se não tivesse me obrigado a raspar a pompinha eu estaria, como você, até hoje neste lugar de merda. Olha a placa – fez questão de mostrar –, é DF, do Distrito Federal!

E voltou para o Brasil no Serpa Pinto, de alma lavada.

Nós, os sem-Timpanas e sem-“seu” Lino, não nos conformamos que tenham desaparecido da noite para o dia, sem aviso prévio e sem um porre de despedida do velho Timpanas.

Sem o choro do “seu” Lino servindo a bebida, só o nosso.

Ex-Timpanas, atual Alentejano. Rua São José, 76. Tel. 533-4264. De segunda a sexta, das 11 da manhã às 9 da noite, sábado, só almoço.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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