MAIO de 1997. Poucos meses depois de fazer bonito em Brasília, quando entregou 19 votos para ajudar o governo a aprovar a emenda da reeleição que permitiu a Fernando Henrique Cardoso disputar um segundo mandato, o governador Amazonino Mendes viajou para a Ucrânia.
Oficialmente, ele ia observar de perto as usinas movidas a gás existentes naquele país para futuramente fazer um acordo de tecnologia visando a reconversão das usinas termelétricas de Manaus e um melhor aproveitamento do gás de Urucum, extraído em Tefé.
Na realidade, Amazonino estava fugindo dos holofotes da mídia depois de ter aparecido como o “homem da mala” no balcão da reeleição, apontado por dois deputados acreanos (João Maia e Ronivon Santiago) que venderam seus votos por R$ 200 mil, conforme matéria publicada no jornal Folha de S. Paulo.
Durante uma parada técnica em Estocolmo, na Suécia, o governador ficou impressionado com a versatilidade de um militar aposentado chamado Climério Johansson, encarregado pela embaixada brasileira de ser o intérprete da delegação amazonense na terra dos vikings.
Quando partiu para a Ucrânia, Climério já havia sido incorporado à comitiva do governador como Assessor Estratégico de Assuntos Internacionais, em virtude de falar fluentemente inglês, francês, alemão, espanhol, eslavo, sueco, finlandês, russo, mandarim, japonês e javanês.
Depois do retorno da delegação a Manaus, o versátil Climério Johansson se transformou no assessor mais poderoso do governador Amazonino Mendes, despertando uma ciumeira geral no resto do secretariado (aliás, o Negão sempre incentivou alegremente esse fogo amigo dos seus assessores diretos em todas as suas administrações).
Não se sabe como, mas Climério ficou sabendo que um dos sonhos acalentados por Amazonino Mendes desde o seu primeiro governo, dez anos antes, era construir uma estátua do guerreiro Ajuricaba exatamente no encontro das águas, para se tornar um atrativo turístico semelhante à Estátua da Liberdade no entorno da ilha de Manhattan, em Nova York. O militar aposentado ficou cismado.
Um belo dia, depois de muito matutar sobre o assunto, Climério chamou a Manaus o artista plástico Jair Mendes e lhe encarregou de fazer o projeto de uma gigantesca estátua do índio Ajuricaba para ser erguida exatamente no encontro dos rios Negro e Solimões, na região do Puraquequara.
Única exigência de Climério: a estátua teria que ser vista tanto da praia da Ponta Negra, em Manaus, quanto do porto de balsas do Careiro da Várzea, no início da rodovia BR-319.
Jair Mendes e mais seis artesãos parintinenses passaram um mês fazendo cálculos de todo tipo até concluírem que, para cobrir aquele imenso campo visual, o Ajuricaba precisaria ter uma altura mínima de 48 metros (para simples comparação, o Cristo Redentor, do Rio de Janeiro, tem 28 m).
Eles levaram dois meses para esculpir em madeira uma belíssima réplica do guerreiro Ajuricaba com 1,60 m de altura e mostraram o trabalho para Climério. Capitão da equipe, Jair Mendes explicou ao militar que a estátua original seria erguida na proporção de 30 por 1 em relação ao modelo apresentado.
O Assessor Estratégico de Assuntos Internacionais vibrou como um menino: aquele era o mais fabuloso Ajuricaba que ele já havia visto ao longo dos seus 65 anos de existência. Na surdina, Climério, Jair Mendes e os demais artesãos cobriram a réplica com plástico negro e resolveram fazer uma surpresa para o governador Amazonino Mendes.
Na época, o governador morava em uma mansão do empresário Otávio Raman, na Estrada do Cetur, nas imediações do Rio Tarumã.
Quando chegaram ao local, perceberam que Amazonino Mendes estava fazendo a sesta pós-almoço, deitado confortavelmente em uma rede de casal. Meia dúzia de aspones se distraía espantando os insetos voadores que teimavam em atrapalhar o merecido descanso do Negão. Pacientemente, Climério e sua turma esperaram o governador acordar.
Duas horas depois, Amazonino abriu os olhos e não entendeu que diabos estava fazendo aquele bizarro embrulho de plástico negro ali ao lado da sua rede. Climério entrou macio:
– Meu governador, o senhor se lembra daquele seu sonho recorrente de fazer um monumento ao índio Ajuricaba exatamente no encontro das águas?…
Antes que o governador abrisse a boca, Climério já foi dando o xeque-mate:
– Pois graças ao talento desses artistas parintinenses, o seu sonho está muito perto de se transformar em realidade! Isso aqui é uma réplica em miniatura, mas no tamanho proporcional, da futura obra-prima!
Aí, retirou o plástico negro que cobria a escultura.
O governador tomou um susto. Nos seus 57 anos de existência, Amazonino nunca tinha visto um índio tão fabuloso e imponente quanto aquele Ajuricaba. A escultura dos parintinenses rivalizava, em beleza, realismo e harmonia, com a famosa estátua do rei Davi prestes a lutar contra Golias, esculpida por Michelangelo.
Havia apenas uma pequena diferença: enquanto a escultura do mestre florentino possui um sexo de dimensões modestas, o Ajuricaba possuía uma jeba imensa, grossa, cabeçuda, quase alcançando os joelhos. Detalhe: a sucuriju do tuxaua estava no modo “descanso”.
Amazonino se ajeitou melhor na rede para apreciar a escultura e fez um único questionamento:
– Ô, Jair Mendes! O Climério disse que isso aí está na proporção exata da estátua que vocês planejaram. Quando a estátua original estiver pronta de que tamanho vai ficar essa jeba?…
– Do tamanho de um poste de cimento de alta tensão, governador! – explicou candidamente o parintinense. – Só que com o dobro da grossura…
O governador quase caiu da rede.
– Olha, meus amigos, não me levem a mal – explicou Amazonino –, mas se a gente colocar um troço desses no encontro das águas, o Amazonas vai virar motivo de gozação no mundo inteiro…
O sonho recorrente do governador foi sepultado no mesmo dia e, provavelmente, para sempre.