Balangandãs de Parintins

Dirce Cansanção e a deslumbrante “Deusa da Lua”

Postado por Simão Pessoa

Reza a lenda que o bumbá Caprichoso sempre foi um bumbá tinhoso, bastante arredio e desconfiado. Sempre que os dirigentes do boi sentiam cheiro de marmelo no ar, abandonavam a disputa com o Garantido e passavam as três noites se apresentando solitariamente em seus próprios domínios, na zona azul da cidade. Foi assim em 1977 e em 1983.

Nessas ocasiões em que o Caprichoso corria pro mato, cabia ao bumbá Campineiro, o touro marrom, de cores verde e amarela, substituir o boi fujão e ir pra disputa com o touro branco. O curral do touro marrom ficava no Aninga, na zona rural de Parintins, o que era uma dificuldade maior para torna-lo competitivo. Seus torcedores eram a minoria dissidente dos outros dois bois e, portanto, quase insignificante numericamente. Mas faziam um barulho da gota serena.

Em junho de 1983, com o bumbá Caprichoso fora da disputa, coube ao bumbá Campineiro disputar outra vez o título daquele ano com muita pompa e circunstância.

Os dois principais destaques do bumbá Campineiro eram o “Rei do Sol” e a “Deusa da Lua”, formados por um casal de namorados que acabou brigando minutos antes de começar a apresentação do boi verde e amarelo.

Puta da vida, a “Deusa da Lua” foi embora e deixou o “Rei do Sol” falando sozinho.

Coordenadora dos dois itens e à beira de um ataque de nervos pela desistência intempestiva de um dos destaques originais, a lendária costureira Dirce Cansanção, dirigente plenipotenciária do touro marrom na época, descobriu na área de concentração do bumbá uma menina lindíssima, de expressivos olhos azuis e lábios carnudos, e convenceu a beldade a fazer o papel de “Deusa da Lua”.

Séria que nem cachorro cagando na chuva, a menina aceitou a incumbência e vestiu a portentosa fantasia de destaque.

Quando começou a evolução do boi Campineiro no tablado, sob uma portentosa queima de fogos de artifício, Dirce Cansanção percebeu que a nova “Deusa da Lua” não sorria de jeito nenhum, o que poderia desagradar os jurados.

Ela começou a fazer gestos para a jovem e repetir uma ladainha:

– Ri, porra! Ri, porra!

Ouvindo aquilo, a bela “Deusa da Lua” abriu o maior sorriso do mundo.

Infelizmente, a garota não tinha os quatro dentes superiores da frente.

Dirce Cansanção ficou apoplética:

– Não ri, porra! Não ri, porra!

Salvou o desfile, mas acabou com a autoestima da deslumbrante “Deusa da Lua”.

Falecida há alguns anos, Dirce Cansanção hoje é nome de rua em Parintins, numa homenagem mais do que merecida pelo seu importante trabalho a favor da cultura popular do município.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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