Por Marcos de Vasconcellos
Foi assaltado por três. Trio musical, de percussão: Colt 45, Smith & Wesson três oitão, Parabellum. Deu tudo, menos um pio, nem olhou a cara dos trabalhadores braçais. Fervorosamente pediu na hora que Santa Edwiges o acudisse. Contou-me depois, já sobrevivente, que jamais ouviria falar nessa santa, mas uma súbita mediunidade, um clarão sobrenatural soprou-lhe o nome da salvadora. Dedicou-lhe uma vela.
Do desastre só lamentava a perda de um Cartier único, escolhido a dedo, edição limitada, longamente namorado até que deu-se de presente de aniversário. Um rio de ouro.
Dois meses depois estava chupetilhando o uisquete vespertino na varanda do Hotel Miramar, em Copacabana, quando se acerca dele um crioulo bem vestido, coberto de joias, simpaticão, pede uma sorridente licença, tira do bolso um enroladinho de papel de seda.
– Sou da Marinha, doutor. Acabo de voltar da Europa e como vi que o senhor é uma pessoa distinta e eu não conheço ninguém aqui no Rio, vim oferecer esta maravilha para o senhor, por uma pechincha.
Abriu o embrulhinho e exibiu um esplendoroso Cartier, igual àquele que lhe fora expropriado no “ganho”. Pediu para examinar melhor o relógio, reconheceu os defeitos, comprovou que era mesmo o dele, elogiou a peça, soube do preço, fez cara de desinteresse, mas segredou ao visitante:
– Já que você é da Marinha, pode me quebrar um galho. Sou paulista e só venho ao Rio de carro e desarmado. Sabe como são as coisas, a gente fica meio indefeso, pode acontecer um enguiço de noite, sabe como é. Será que tu me arranja uma arma?
O crioulo resplandeceu.
– Mas, doutor! O senhor está falando com a pessoa indicada! Tenho aqui comigo uma máquina que se não agradar o doutor dou a minha cara a tapa.
– Deixa ver.
– Doutor, aqui não dá. A peça tem volume. O senhor faça o favor de me acompanhar.
Perto dali tinha um terreno baldio, cercado, sem vigia. E para lá foram vendedor e comprador. A arma exibia: uma pistola 45, privativa das Forças Armadas e da Barra Pesada.
– Está carregada? – perguntou o civil, apreensivo.
– Até a boca, doutor, mas não se incomode porque, olha aqui está travada.
Foi a conta. O civil otário destravou o canhão, botou uma ameixa na câmara, segurou com as duas mão e berrou:
– É assalto! É assalto! Bota a mão na cabeça, nêgo safado, senão te encho a boca de chumbo!
Repetiu o que ouvira quando vítima, com a mesma força de expressão. O crioulo ficou cinza-marinho. Não conseguiu balbuciar uma única palavra.
– Arreia as calças, tira a roupa toda! Anda logo, filho da puta!
Fico pensando o que deve ter passado na cabeça do assaltado nessa hora, Inteiramente aparvalhado, pasmo, sendo depenado por um caretão bacano da Zona Sul, logo ele, o terror do Borel. Mas com a boca do túnel da morte e a disposição miradas bem no meio dos zóim dele, foi tirando tudo: anel, relógio, carteira, grana, inúmeros documentos, uma obsoleta mas ainda providencial navalha Solingen. Só sobrou um cordão, no pescoço.
– Bota o cordão na trouxa também
Aí, o crioulo ajoelhou:
– Companheiro, tu vai entender. Trabalho no ramo também. Leva essa bagulhada, mas livra o cordão e a cueca. O cordão é de Santa Edwiges, da minha devoção. Se perco a medalha, danço legal.
– Tu trabalha no setor?
O outro fez que sim com a cabeça e deu-se o segundo milagre de Santa Edwiges:
– Então eu livro a santa. Mas tira a cueca. Quero ver essa bunda de fora!