Causos Políticos

Fábio Lucena era pop e não poupava ninguém

Adib Mamede, Amazonino Mendes, Fábio Lucena e João Thomé Mestrinho
Postado por Simão Pessoa

Candidato ao Senado em 1978, o então vereador e jornalista Fábio Lucena foi o mais votado do pleito, mas perdeu a vaga para o radialista João Bosco Ramos de Lima, da Arena-1, cujos votados somados aos da professora Eunice Michiles, da Arena-2, deram a maioria para a legenda governista (sem o “pacote de abril”, que instituiu as sublegendas, o MDB teria destroçado a Arena no país inteiro).

O radialista mal esquentou a cadeira no Senado. Morreu alguns meses depois de tomar posse e a amazonense Eunice Michiles transformou-se na primeira mulher brasileira a ter assento na mais alta Câmara legislativa do país.

Em 1982, Fábio foi novamente candidato ao Senado, desta vez enfrentando o ex-governador José Lindoso (PDS, ex-Arena). Seus comícios iniciavam-se sempre com uma advertência velada:

– Aquele que tentar fraudar a minha eleição será chamado pelo Pai Eterno e prestará contas no Tribunal do Inferno!…

Fábio foi novamente o mais votado do pleito, só que desta vez se elegeu senador do Amazonas. Seu passado combativo como articulista de A Crítica era um atestado de que os políticos corruptos não iriam ter vida mansa no Congresso.

Nos anos 70, com o apoio de Umberto Calderaro (timoneiro-mor do jornal A Crítica, é sempre bom lembrar), Fábio havia travado uma guerra sem quartel contra o contra-almirante Roberto da Gama e Silva, chefe do SNI no Amazonas, a quem o jornalista acusava de contrabandista.

No governo Figueiredo, o militar estava lotado na Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional e era presidente do Grupo Executivo para a Região do Baixo Amazonas (GEBAM).

Fábio avisou pela imprensa que seu primeiro ato no Senado seria disparar um torpedo na quilha de Gama e Silva. Depois, disse que não ia sossegar enquanto não afundasse o militar no seu (dele) mar de lama e corrupção.

Recém-eleito pela segunda vez, o governador Gilberto Mestrinho, que tinha uma audiência marcada com o presidente Figueiredo após sua posse, em março de 1983, percebeu logo o tamanho da encrenca e pediu ao deputado estadual Félix Valois, então secretário de Justiça, que intercedesse junto ao jornalista para “maneirar” nas acusações.

O deputado, que como advogado havia defendido Fábio inúmeras vezes em processos movidos por Gama e Silva, sentiu-se impedido de fazer um pedido daqueles e transferiu a incumbência para seu sócio, Alberto Simonetti, com quem dividia o famoso escritório jurídico “Paiva, Simonetti & Valois”.

Simonetti viajou para Brasília. Dois dias de conversas do “gordo”, desarmaram o espírito belicista de Fábio:

– Em homenagem a você, meu irmãozinho, vou guardar meu silêncio sepulcral sobre aquele verme! – garantiu o senador.

No dia da audiência do governador, que seria às três horas da tarde, Fábio faria seu primeiro pronunciamento no Senado. Ele mostrou a Simonetti o texto que iria ler na tribuna, chumbo grosso sobre o momento econômico do país. Nenhuma linha sobre o almirante.

Como Simonetti tinha uma audiência em Manaus, no mesmo horário, Fábio e seu motorista, o famoso Onça, foram deixar o advogado no aeroporto por volta das 11h da manhã. Enquanto esperava o voo, Simonetti insistiu no assunto:

– Porra, Fábio, pela nossa amizade, não vai me mudar o discurso. Esquece a porra daquele almirante. Procura evitar beber…

– Prometi à minha mãe, dona Otília, que não colocaria mais uma gota de álcool na boca! – garantiu o senador.

– E esse negócio aí que você está bebendo nessa garrafinha plástica? Isso é suco de groselha? – insistiu o advogado.

– Não, meu querido, isso é um remédio amargo pra chuchu. Como estou no período de desintoxicação alcoólica, meu médico receitou uma dose de Campari de seis em seis horas. Mas isso não deixa ninguém de porre! É amargo que só a moléstia! – explicou.

Simonetti se despediu dos dois e embarcou para Manaus, onde realizou a sua audiência. Por volta das cinco da tarde, recebeu um telefonema de Félix Valois, que estava puto da vida:

– Porra, gordo, você não falou com o Fábio não?…

– Falei, demônio, claro que falei! – explicou Simonetti. – Ele até me mostrou o texto que ia ler no Senado… Era um negócio sobre economia, esculhambando o Fundo Monetário Internacional…

– Puta que pariu, gordo, ele fez a maior cagada. O governador estava no meio da audiência quando entrou um ajudante de ordens do presidente Figueiredo e cochichou alguma coisa no ouvido dele. O general se virou para o governador e disse: “Olha, governador, infelizmente eu vou ter que suspender a nossa reunião. Tem um sujeito lá do seu partido esculhambando com um oficial superior da Marinha no plenário do Senado, dizendo que o sujeito cometeu crime de contrabando. O ministro da Marinha, almirante-de-esquadra Maximiano da Fonseca, está irritadíssimo porque as acusações atingem a Marinha. Assim não dá!”. Dito isso, ele levantou-se e foi embora. O governador Mestrinho está uma fera até agora. Porra, isso não é coisa que se faça…

Foi a vez de Simonetti enlouquecer de raiva. Ele passou o resto da tarde telefonando para o apartamento de Fábio Lucena, em Brasília. Conseguiu falar com o senador por volta das 10h da noite.

– Bonito, né, meu senador? Você me promete uma coisa e faz outra… – disparou o advogado.

Com a voz enrolada, de quem havia entornado todas, Fábio resolveu se explicar:

– Olha, meu irmãozinho, não foi nada disso. Eu te deixei no aeroporto e vim pra casa, para rever minhas anotações, mas aquele remédio não estava fazendo nenhum efeito. Aí, eu resolvi mudar pro uísque. Na hora em que o Onça chegou, para me levar para o Senado, tive uma visão. Meu falecido pai apareceu diante de mim e disse “Fábio, não perdoa esse homem!” Eu não ia desobedecer meu honrado pai, né, não, meu irmãozinho?…

No dia 25 de março de 1983, Fábio retornou ao Senado e fez um novo pronunciamento, mais incisivo do que o primeiro, que resultou no livreto “Nas águas do contrabando”, de sua autoria.

Ele provou, com documentos, que Roberto Gama e Silva, em 1973, quando era capitão-de-fragata e servia na Comissão Naval Brasileira de Washington, adquiriu por compra, na Alemanha, um automóvel Mercedes Benz, tipo 230/6, no valor de U$$ 7,834.94, e o transportou para o Brasil sem pagar os impostos devidos.

Mais tarde, depois de uma série de maracutaias envolvendo os Detrans do Rio de Janeiro, Brasília e Manaus, o carro foi “nacionalizado” e vendido pelo referido militar à Coencil, em dezembro de 1980. Fábio exigia uma punição exemplar para o militar.

No dia 12 de março de 1984, conforme publicado no Diário Oficial da União, o general Figueiredo dispensou Gama e Silva de servir na Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional e o exonerou da presidência do Grupo Executivo para a Região do Baixo Amazonas (GEBAM). Em maio do mesmo ano, Gama e Silva foi transferido para a reserva.

N.R.: A nova geração pode não saber ou intuir a perda, mas o saudoso senador Fábio Lucena era pop e não poupava ninguém. Se existir mesmo o outro lado do espelho, ele e Simonetti devem estar morrendo de rir recordando essas e outras presepadas.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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