Humor

“Se o preconceito faz rir, eu vou fazer piada com ele”, avisa o Jacaré Banguela

Postado por Simão Pessoa

E Deus, em sua infinita sabedoria, resolveu dar uma festa no céu para todos os animais da Criação. O macaco, felizão, foi contar a novidade pro sapo e o batráquio, muito empolgado, abriu o bocão enorme e falou: “Oba! Vai ser demais!”

E o macaco: “Só tem um problema, sapo…. bicho de boca grande não entra.”

Aí o sapo fez biquinho e respondeu, quase sem conseguir falar: “Ih, coit’dim do jac’ré…”

Pois é, coitadinho do JACARÉ BANGUELA.

Por causa da boca grande dele, Rodrigo Fernandes, o Jacaré Banguela, foi expulso do céu. Foi assim: no dia 17 de julho, o ator Will Smith postou no Instagram uma foto dele com o filho Jaden, feita no estádio Lujniki, em Moscou, na final da Copa do Mundo, que acontecera três dias antes. Will veste calça e camisetas brancas. E Jaden… bem, Jaden está vestido de adolescente.

Will Smith com o filho Jaden na fotografia que deu origem à saga

Rodrigo Fernandes pegou a foto e jogou no Twitter com o seguinte comentário: “Tenho quase certeza que o filho do Will Smith me pediu dinheiro ontem na esquina da Haddock Lobo dizendo que tava olhando meu carro”.

A rua Haddock Lobo fica no Jardim Paulista, em São Paulo, e vai da rua Estados Unidos, que marca os limites do Jardim Europa, até a Fernando de Albuquerque, já no bairro da Consolação. Os “jardins” (América, Paulista, Paulistano e Europa) compõe uma das regiões mais chiques e elitistas da capital. É ali que fica a rua Oscar Freire, uma espécie de Rodeo Drive paulistana que, aliás, faz esquina com a Haddock Lobo.

O tuíte da confusão

Assim que o tuíte foi publicado, o Jacaré Banguela foi imediatamente metralhado com acusações de racismo. E muitas das arrobas indignadas passaram a copiar também as contas do programa da Eliana, do SBT, onde ele fazia participação fixa, e o canal Comedy Central, onde faz apresentações esporádicas de stand-up.

A reação furiosa ao tuíte do Rodrigo foi em parte motivada por uma piada anterior. Em 30 de junho, o também comediante Júlio Cocielo fez o seguinte post sobre o craque francês de origem africana Kylian M’Bappé: “mbappé conseguiria fazer uns arrastão top na praia hein”.
Rodrigo Fernandes, assustado, apagou o tuíte, mas já era tarde. Os prints da postagem tomavam conta da rede. Mais do que isso: a conta dele no Twitter foi escarafunchada e postagens antigas voltaram à vida para assombrá-lo. Um evento que ele faria naquela semana acabou cancelado pelo contratante; o SBT o colocou na “geladeira” e o show de stand-up que estrearia no Comedy Central subiu no telhado.

O humorista argumenta que ele não é e nunca quis ser racista e que a sua piada é sobre a roupa horrorosa do Jaden Smith e não sobre a cor da pele dele. Vestido daquele jeito ele seria confundido com um “flanelinha” mesmo se fosse branco e de olhos azuis, diz Rodrigo. A posição dele tem a solidariedade de pesos-pesados do stand-up como Danilo Gentili e Rafinha Bastos, além da turma do Pânico.

O tuíte do Cocielo sobre o MBappé

Já os críticos não aliviam e respondem que o Jacaré Banguela e o Júlio Cocielo praticaram “racismo estrutural”. Isto é, eles foram criados e educados numa sociedade racista, logo acreditam que seus comentários preconceituosos sejam normais.

Esta entrevista faz parte da série “O HUMOR NOS TEMPOS DA CÓLERA”, que discute humor e liberdade de expressão num mundo cada vez mais polarizado e patrulhado. Futuramente, as conversas vão ser todas reunidas num livro bem loucão e bem lindão. Este babe-papo, no entanto, é um pouco diferente dos anteriores: dessa vez, a “cólera” não é nada abstrata.

E agora com vocês, o homem que incendiou a Internet, o controverso e polêmico…. JACARÉ BANGUELA!

Cara, essa entrevista vai ser meio o esquete “Piada em Debate’, do TV Pirata, sinto muito…

Claro, claro, vai em frente.

Começando pelo começo, a piada foi uma merda, não foi? E foi escrota, não foi?

Não, escrota não. Eu acho que é uma piada muito boba e fiquei surpreendido com a importância que deram pra ela. Nem eu dei tanta importância assim. Tanto que, quando começou a dar merda, eu apaguei. Não era uma piada pela qual valia a pena comprar briga…

Mas apagar não foi outra cagada?

Foi. Olhando em retrospecto, foi. Mas quando começaram os ataques, eu achei que a melhor coisa era me livrar daquilo, como sempre fiz no palco. Se eu faço uma piada e ninguém dá risada ou se não pegou bem, na próxima vez que eu for contar, a piada vai estar melhorada… Eu refaço, eu reescrevo, vejo se a preparação está adequada. O que aconteceu é que a piada que eu fiz estava muito aberta à interpretação. É claro que eu comparei o filho do Will Smith a um “flanelinha”, mas eu não vi racismo nisso quando fiz a piada. Então quando me acusaram de praticar “racismo estrutural”, eu falei: “caramba, a piada não é sobre isso” e apaguei. Mas aí o print começou a aparecer e saiu do controle…

O Buzzfeed fez uma matéria grande sobre isso, publicando todos os tweets e comentando a repercussão deles na rede. Eles dizem que você kibou um tweet anterior que dizia o seguinte: “porra, daora essa atitude do Will de levar um flanelinha do mercadão de SP pra ver a copa na Rússia!!”

Genial!

Tá, mas foi kibe ou não foi kibe?

Não, não foi kibe.

Ok, mas embora o Buzzfeed diga que ambos os tweets sejam igualmente racistas, na minha opinião o outro é mais defensável do que o seu…

Por quê? Eu acho que é igual. É a mesma coisa. Eu não fui acusado de chamar o filho do Will Smith de “flanelinha”? Então a piada é a mesma. Na verdade, me mandaram o print de uma postagem no Facebook, em espanhol, que falava “olha como o Will Smith é generoso, ele levou um motoboy para ver a Copa”, que é a mesma piada também. As três piadas dizem a mesma coisa: o moleque está mal vestido. Quando eu fui ao Pânico e mostraram a foto, a primeira coisa que o Emílio Surita falou, foi: “Esse moleque parece um cracudo!” (risos). Então as piadas não são sobre a cor da pele do menino, são sobre como ele se veste. Depois me mandaram uma foto do Justin Bieber onde ele parecia muito mais “flanelinha” do que o próprio Jaden. Então a polêmica partiu de mim ou foi causada a partir de mim?

Na minha visão, o problema surge quando você coloca a Haddock Lobo no meio. Porquê a gente sabe que se o Jaden Smith fosse à Haddock Lobo vestido daquele jeito, ele poderia ser barrado em qualquer loja. Infelizmente! Fazer uma piada sobre esse fato é uma observação. Só que quando você diz “esse moleque pediu dinheiro pra tomar conta do meu carro”, você está se colocando na mesma posição do cara que eventualmente barraria o moleque. Ou não?

Não, eu não barraria não. É um comparativo. Essa piada está no mesmo saco daquelas que falam “o português é burro, o judeu é mão-de-vaca, a loira é burra e o Jaden parece um flanelinha”. E ponto. Acabou a piada. Qualquer coisa a partir daí é interpretação. E tudo bem. A comunicação é assim: emissor, meio, receptor. A gente aprende isso na Publicidade. E, ok, o receptor recebeu de maneira diferente o que eu transmiti e foi por isso que eu apaguei a piada. A mensagem foi entregue de maneira estranha.

Compararam sua piada à do Júlio Cocielo, que escreveu que o MBappé, correndo desse jeito, faria um arrastão “top” na praia. Essa piada também deu merda. Ela é igual à sua ou é diferente?

Cara… bateram muito no Cocielo e em mim da mesma maneira, dizendo que isso é “racismo estrutural”. A gente é ensinado a ser racista desde criança, todos os exemplos que vemos são de racismo e aí a gente acaba replicando isso sem nem perceber. Acredito nisso? Acredito. O Cocielo foi racista? Não sei dizer. O que pegou no caso dele foram os tuítes antigos, porque eles corroboraram uma opinião. No meu caso, que histórico eu tinha? Umas três coisas antigas e sem importância um tuíte de 2012 que eu falava “se a loira pode ser burra, se o judeu pode ser mão-de-vaca, se o português pode ser burro, se o gordo pode ser baleia, se a pessoa alta pode ser girafa, então o negro pode ser macaco”. Aí recuperam isso e falaram “olha como ele é racista”. Não, cara, só estou fazendo comparativos.

Peraí, mas as coisas não são iguais. Num grau de “ofensividade”, se é que isso existe, chamar um negro de “macaco” não é o mesmo que chamar um judeu de “mão-de-vaca”. Seria preciso chamar o judeu de “rato”, que é exatamente o que fazia a propaganda nazista. Não tem humor aí.

Cara, eu não sei…. olha, textualmente, os comparativos são iguais. Um gordo pode se ofender muito por ser chamado de baleia? Pode. Um negro pode se ofender muito por ser chamado de macaco? Pode. E essas duas pessoas podem não se ofender com essa piada? Podem também. O Marcelo Marrom faz piada com isso. Ele conta que está transando com uma mulher e pede pra ele xingar ele. E ela fala “seu cachorro!”, ele pede mais, até que ela fala “seu macaco!”. Quer dizer, ele levanta a piada com os comparativos até chegar nisso. E a galera ri. A ofensa depende de quem fala, depende do contexto e depende de quem quer se incomodar com aquilo. Pra mim, ser inclusivo é fazer piada do negro, fazer piada do “flanelinha”, fazer piada do judeu, fazer piada do gordo e fazer piada de mim pra caralho. Minha profissão de humorista stand-up é observar o mundo e contar piada sobre tudo o que estou vendo. Mas quando acontece um tuíte como esse, aberto à interpretação, num período em que está todo mundo com os nervos à flor da pele, os sites começam a carimbar uma parada sobre mim: “Humorista compara filho de Will Smith a ‘flanelinha’ e é acusado de racismo”. Onde é que está o racismo disso? Quem está dizendo que todo flanelinha é negro?

Se o Will Smith e o filho fossem brancos, você teria feito a piada?

Sim, certamente sim. Tanto que fiz a piada com as irmãs Olsen, dizendo que elas aparecem velhinhas de 70 anos. Depois de toda a merda que deu, eu continuo fazendo piada com a aparência das pessoas.

O Buzzfeed também diz que você fez a piada sabendo que ia dar merda porque queria aparecer. Foi isso?

Algumas pessoa cogitaram isso. Mas o Cocielo tinha tido problemas duas semanas antes de mim. Ele perdeu todos os patrocínios dele, foi atacado em todas as redes e todos os portais passaram a chamá-lo de racista. Não faz sentido buscar isso. Tanto quê, quando deu a merda, eu apaguei o tuíte. O Cocielo segurou um pouco mais, fez um vídeo de desculpas e eu fiquei “caramba, estou sendo acusado de uma coisa que, na minha cabeça, eu não disse!” Tudo o que eu não preciso é de um carimbo de racista. Se você procura Rodrigo Fernandes ou Jacaré Banguela no Google só o que aparece é isso. Está um pouco difícil me contratarem agora…

Você saiu da Eliana e do Comedy Central, foi isso? Aconteceu mais alguma coisa?

Eu tinha um evento agendado para aquela semana que foi cancelado. O tuíte foi no dia 17 de julho, uma terça-feira. Na quarta, a notícia estava em todos os portais e na quinta o cara cancelou o evento. Falaram que eu estou na “geladeira” da Eliana, mas eu nunca fui contratado, eu sou um convidado fixo há seis anos. No Comedy Central, eu fui contratado pra fazer o “Bloopers” numa época e depois fiz um especial de stand-up, que eu não sei se vai passar depois de tudo isso. Pode ser que passe, pode ser que não.

E depois disso você já fez algum show de stand-up?

Fiz vários.

E como foi a reação do público?

Vou falar uma coisa pra você: isso tudo só aconteceu dentro de uma bolha. O mundo real cagou pra isso. As pessoas têm mais o que fazer. Quem tá lendo portal é a mesma pessoa que está tuitando. Meu primeiro show depois de tudo isso foi no “Comedians“, o que me dava uma segurança muito grande porque os donos são o Danilo Gentili e o Rafinha Bastos… quer dizer, acho que ninguém ia se importar muito com o tom da minha piada, né? Mas eu estava muito nervoso. Tanto que vários amigos meus, comediantes também, ficaram na platéia vendo meu show para dar um apoio e temendo alguma reação agressiva. Teve absolutamente zero de reação. Nesse e em todos os shows que eu fiz depois disso e já estamos no final de agosto. Esse caso nunca aconteceu na vida real, nunca aconteceu para as pessoas que vão me ver.

Eu entrevistei o Gregório Duvivier, uma conversa que vai subir no site depois da sua e, claro, eu falei do seu caso. E ele acha que você tem mais é que se foder. Ele não disse isso com essas palavras, claro, porquê ele é mais elegante do que isso. Mas o raciocínio dele é o seguinte: se o cara quer ser zoeiro nesse nível, ele tem que pagar o preço. Se ele perdeu o emprego ou teve o show cancelado é porque as empresas não querem se associar a um cara que é preconceituoso. O que você acha dessa opinião?

Eu sempre vou defender a liberdade de expressão – até da pessoa que é contra mim. Liberdade de expressão é isso. Agora, eu acho que a coisa passa do limite do aceitável quando alguns grupos começaram a pedir o meu boicote, quando pessoas passaram a tuitar e mandar e-mails pra Eliana me tirar do ar. Existiu uma pressão. O Gregório pode não ter visto, mas existiu uma pressão para que as empresas tomassem uma providência em relação a mim. E eu entendo o fato de todas elas terem me tirado do ar. Uma coisa é o Danilo Gentili fazer o “The Noite“, competir com o programa do Bial e bater a Globo, e outra coisa sou eu. O SBT compra as brigas do Danilo. Agora eu sou só um participante do programa da Eliana e do Comedy Central. Eu fiquei puto por terem me tirado do ar, mas eu entendo que empresas de mídia têm de agradar ao povo. O programa CQC, que era “Custe o que Custar”, teve que mandar o Rafinha pra “geladeira” quando o patrocinador ameaçou sair se ele continuasse. Então não era “custe o que custar “, era “quando custa o patrocínio”. É assim que esse meio funciona. Eu não desejo que essa metralhadora seja um dia disparada contra o peito do Gregório. Porquê essa metralhadora está apontada pra todo mundo e basta um pequeno deslize pra você ser metralhado sem dó alguma. O que eu acho é que não tem que ter uma metralhadora apontada pra gente.

Sabe que essa série de entrevistas está deixando uma coisa muito clara pra mim: o Brasil está tão dividido que nós não rimos mais das mesmas coisas. Antigamente, o que era engraçado, era engraçado e pronto. Agora não.

Mas isso sempre foi assim. O Chico Anysio e o Jô Soares passavam na mesma época. E tinha gente que gostava mais do Chico e tinha gente que gostava mais do Jô. E também tinha gente que gostava mesmo era dos “Trapalhões”. Só que ainda assim, eles participavam no programa um do outro. Eu fiquei surpreendido quando descobri que o Carlos Alberto de Nóbrega escrevia para os Trabalhões, que eles sempre foram muito amigos. Sempre achei que um estava blindado no SBT e outro na Globo, só que não. E a gente é assim hoje também. Eu já dividi camarim com o Gregório e fiz gravação do “Porta” junto com ele. Eu conheço o Gregório antes de existir o “Porta dos Fundos”, quando eu fazia coisas pro “Anões em Chamas”. Essa polarização foi acontecendo, mas é igual o Jô ter ficado na Globo e o Carlos Alberto ter ido pro SBT.

Mas não tinha o elemento político na equação. Não havia diferenças ideológicas entre “Os Trapalhões” e a “A Praça é Nossa”.

Mas o Gregório foi quem levantou a bandeira partidária entre os humoristas.

O Danilo Gentili também, não?

Só que o Danilo bate no Temer, bate no Aécio… O humor tem que bater em tudo. O Gregório prefere levantar a bandeira de um lado e ignorar algumas coisas que estão acontecendo no meio em que ele está inserido. Mas tá tranquilo, isso é tranquilo. O cara pode escolher em quem ele quer bater e tá tudo certo. Só não pode é tirar a parte engraçada da piada, senão você tem um excelente “Ted Talk”, mas não tem um show de humor.

Aliás, pelo menos uma das arrobas que caíram matando em cima de você também apareceu no tal “Mensalinho do Twitter”. Você viu isso?

Não, não, nem vi. Tem gente que não gosta de mim, mas eu não tenho o menor interesse em nutrir inimizades. Então se os caras batem em mim e depois se fodem, é isso aí… a gente colhe o que planta. O que eu vejo é uma galera que é muito engajada socialmente, porém só em hashtags e tuitadas. Elas não saem do mundo digital para resolver problemas no mundo real. Tem uma galera aí que realmente acredita que se difamar alguém usando hashtags está resolvendo um problema social.

Só que a rede social está de fato mudando o mundo…

Será? Isso não acontece só dentro de uma bolha doida?

Sei lá, cara, mas quando você vê o Bolsonaro, por exemplo… a campanha dele é toda baseada na rede social.

E em polêmica também. A expertise dele é causar polêmica.

Ele tem uma coisa que o Lula também tem, que é o humor. Embora o Bolsonaro seja um escroto, claro. Aliás, não estou defendendo nenhum dos dois, só estou constatando que os dois têm humor e que isso faz a diferença.

E os discursos são muito parecidos. Quando o Bolsonaro fala pra Renata e Willian Bonner sobre a diferença salarial, para muita gente ele “mitou”. E o “mitou” é simplesmente um sinônimo de “lacrou”. É a mesma coisa. Então de que lado você quer estar? Com quem lacrou ou com quem mitou? Eu sempre preferi ficar em cima do muro, zoando tudo e todos. Aí dizem: “mas você não tem uma posição?”. Não! Eu tenho que ficar acima e zoar absolutamente tudo.

Tá, mas por outro lado, você foi defendido pelo cara do MBL, pelo tal do “Mamãe Falei”. Isso não te dá vergonha não?

Muita gente me mandou esse link. Eu vi o vídeo, acho que muitos dos exemplos que ele deu, eu não concordo. Mas como eu não dei RT em que estava me acusando, também não dei RT em quem estava me defendendo. O Danilo tuitou a meu favor, o Rafinha fez ‘Storie’ a meu favor, o Maurício Meirelles fez, o Rogério Vilela, a Criss Paiva… a galera do humor foi a minha defesa. Mas eu não fiquei falando “olha, eu tenho amigos famosos que estão me defendendo”. Não. Eu fico feliz, apenas. O Abujamra já falava “o elogio e a crítica são gêmeos”, então não se pode alimentar nem um e nem outro. Se as pessoas te elogiam e você se acha incrível, quando as pessoas te criticam não vale? Tá valendo igual. Tem o mesmo peso.

Nos seus 14 anos de estrada teve alguma outra piada sua que deu tanto rolo quanto essa?

Uma semana antes dessa piada, eu recebi uma piada no Whatsapp com que era um vídeo do Casagrande na TV…. tinham feito várias com o Ronaldo, com o cara oferecendo coxinha… e aí tinha uma com o Casagrande em que o cara oferecia umas “carreiras” e ele olhava e dava risada. Não fui eu que gravei, mas eu recebi isso e publiquei no meu Instagram. O vídeo já tinha aparecido em uns três portais, mas quando eu publiquei, falaram que a piada era desnecessária, que não podia envolver o Casagrande e a cocaína. Mas eu relevei tanto isso…. Pô, galera, eu tô sendo o primeiro no Brasil a fazer piada com o Casagrande e cocaína? Dois dias depois, o Brasil e o mundo estavam fazendo piada com Maradona e cocaína, porque ele estava doidão no camarote mandando todo mundo tomar no cu. Dois dias depois. Então parece que existe uma seleção. Parece que existe um exército que fica monitorando o que pode ou não falar. O Danilo Gentili fala muito isso: não é o que você está falando, é quem está falando…

A patrulha sempre existiu, mas ela era mais da Esquerda e hoje não, ela é 360. Porquê da mesma forma que alguém da Esquerda vai escarafunchar o Twitter para achar alguma cretinice sua, tem aquela arroba “Ódio do Bem” fazendo a mesma coisa do outro lado. E as pessoas escrevem cretinices, é da natureza delas.

Desde o ano zero ou até antes disso. Mas as pessoas estão começando a dar importância para as cretinices.

Não deram sempre?

Não, o Bobo da Corte era o único cara que fazia piada com o rei e o rei dava risada com ele.

Fazia piada a favor, né? Porquê se fizesse contra, ia pra guilhotina…

Eu não sei. Muitas das tragédias de Shakespeare eram contra a realeza. A arte, não só a comédia, sempre foi isso. O Gregório defende que se bata no opressor e não no oprimido, mas o humor tem que bater em todo mundo. Eu não vou transformar o oprimido em “café-com-leite”. Se eu fizer isso, eu estou excluindo esse cara, em vez de incluir. Tem o “punch up” e o “punch down”. Eu posso fazer piada de pobre enaltecendo o pobre? Posso. Mas se eu sou pobre e bato em mim mesmo, falando mal, e a plateia ri, eu estou certo ou errado? Se eu subo no palco e faço piada de gordos e carecas porquê sou um gordo que está ficando careca, eu estou batendo pra baixo ou pra cima? O importante é fazer a plateia rir. Se o preconceito faz rir, eu não vejo problema em fazer piada com ele. O preconceito faz parte do dia-a-dia, então por quê não incluir isso numa piada, desde que seja bem escrita? A gente tem que rir de tudo. O Rowan Atkinson, o “Mr Bean”, ele está numa campanha no Reino Unido pelo direito de “ofender”. Ele diz que é assim que a gente cria uma sociedade robusta, não é evitando temas porque as pessoas se magoam.

Tem algum tema que você evita, que você nunca vai fazer piada a respeito?

Tem alguns que eu evito porque não tenho capacidade de fazer piada a respeito. Por exemplo, chacina de crianças em Realengo…

Porra, mas aí não dá mesmo. É impossível fazer uma piada boa sobre um tema desses.

Não, não é impossível. Tem uma coisa que o Maurício Meirelles fala, que o humor tem uma escala de um a dez nos temas. Se você faz uma piada de relacionamento é tema “um”. Você pode fazer piadas boas ou geniais sobre isso. Conforme você vai subindo o nível, tema dois, tema três, vai ficando mais difícil. Chacina de crianças em Realengo é um tema 10. Você só tem uma chance de fazer piada com isso e tem que ser uma piada 10. Se você fizer uma piada 9, você perdeu, você é um merda. Então dá pra fazer? Dá. Eu tenho capacidade de fazer? Não, então eu não mexo nesse vespeiro. Agora, acidente da Chapecoense…. muita gente fez piada. E está ali entre 9 e 10, só não pode fazer piada 8. Eu ouvi uma piada num show que era assim: o cara falava “eu vim pra cá de avião fretado porquê a gente é patrocinado pela American Airlines. A LaMia também ofereceu patrocínio, mas a gente achou melhor ficar com a American Airlines”. E a plateia riu. E você fala “Uôôôôuuuuu! Eu vi o que você fez aí!” Mas essa é uma piada 10, se fosse 9 não rolava.

Outro dia eu vi a história de um inglês que tinha um cachorro, um pug, que a namorada dele adorava. Tudo que o cãozinho fazia, ela achava bonitinho. Então o maluco treinou o pug a erguer o braço numa saudação nazista e fez um vídeo com ele assistindo ao filme “O Triunfo da Vontade” e levantando a pata. Só que, ao fundo, o maluco ficava falando “Mate os judeus! Jogue os judeus na câmera de gás!”. O cara foi processado. E eu li um artigo que comparava isso com uma piada do Peter Cook, que foi um gênio da comédia. E a do Peter Cook era assim: “Estou tão interessado em nazismo que comecei a ver um monte de documentários a respeito. O problema é que quando me dei conta, eu já tinha matado milhares de pessoas…” (Risos). Agora, o problema aí é que uma piada é boa e a outra não é…

O que revolta aí é ver o cachorro fazendo uma coisa que ele não entende só pra ganhar um cookie. Mas sem o cara falando seria apenas fofo… ou quase fofo. Tem um documentário chamado “The Last Laugh”, a última risada, que tem vários comediantes judeus e sobreviventes do Holocausto falando sobre o Holocausto. Tem a Sarah Silverman, tem o Mel Brooks… e aí tem uma velhinha, que é sobrevivente, que diz: “Eu faço um milhão de piadas com nazistas, porque eles perderam. E o que resta pra gente é rir deles”. Então, caramba, se comediantes fazem piadas com isso e essa velhinha, que sobreviveu ao campo de concentração, diz que essa é a maneira dela de mostrar que ela venceu e eles perderam, eu, que sou batizado, vou fazer o quê?

É que eles são judeus. Se um humorista negro tivesse feito a mesma piada que você fez, não teria dado rolo.

Então isso só comprova que não fui eu que criei a polêmica, ela foi criada depois de mim. A polêmica não é sobre o que eu falei, é sobre quem falou. Isso fica claro. E o que pra mim é mais surpreendente é que tem uma patrulha aí monitorando quem é que pode falar sobre o quê. Isso é quase censura. “Você não pode falar sobre isso!”. Eu não incitei a violência, não fiz nada disso, só fiz uma piada sobre um milionário que se veste como um mendigo.

Bem, você se fodeu e o Jaden Smith está na boa lá na Califórnia. Valeu a pena?

Um amigo meu me perguntou: você tá arrependido? Cara, tô. Porquê, no final das contas, foi uma puta porrada que me fez refletir sobre as coisas que eu estava fazendo e sobre a linha que eu estava seguindo. Mas aí ele explicou que arrependimento não é isso, é não fazer nunca mais, e perguntou: “se você voltasse, você faria esse tuíte de novo?”. Eu falei “não”. Quer dizer, eu estou arrependido sim, mas não de ter feito a piada, eu estou arrependido é de ter feito uma piada ruim.

NOTA DO RdB: Em 20 de julho, Jaden Smith publicou um tweet bastante enigmático em português. Há quem acredite que tenha a ver com o caso, mas as conclusões não são definitivas.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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