Uma vez por ano, o padre Manuel Navarro visitava as comunidades rurais de Caapiranga para realizar o batismo em massa da molecada.
Na pia batismal improvisada no salão da comunidade, ele colocava uma lata de querosene cheia de água-benta, uma cuia cheia de sal, um calendário religioso, daqueles em que cada folhinha traz o nome do santo do dia, e uma caderneta ensebada, onde ele colocava o nome da mãe, o nome da criança e a data de nascimento.
Era com aquilo que ele providenciaria o registro civil na sede do município e, no ano seguinte, entregaria as certidões às respectivas mães.
Entre outras coisas, o padre tinha um horror homicida dos nomes estrangeiros inventados pelos comunitários.
No dia da visitação, o centro comunitário era enfeitado como em dia de festa, e as mulheres se posicionavam em fila indiana, cada uma com seu rebento no colo.
Uma a uma, elas se dirigiam à mesa/pia batismal do religioso. O diálogo era mais ou menos assim:
– Como é o nome da criança, dona Ernestina?
– Francisgay Magaivi de Souza Noronha
O padre se encrespava:
– Dona Ernestina, a senhora sabe o que quer dizer Francisgay?
– Sei não, seu padre, sei não.
– Francis é a abreviatura de Francisco. Ou seja, Francis quer dizer Chico. E “gay” é uma palavra estrangeira que significa homossexual. A senhora quer que o nome do seu filho seja Chico Fresco?…
– Quero não, seu padre, quero não.
– Pois então…
Aí o padre escolhia aleatoriamente uma das folhinhas do calendário, conferia o nome do santo e avisava.
– O nome do seu filho será Tadeu, em homenagem a São Judas Tadeu. Não é bem melhor do que Chico Fresco?…
– É sim, senhor, é sim senhor.
O padre anotava o resto dos dados, passava água-benta e sal na cabeça do infante e dispensava a senhora.
Chegava uma nova comunitária.
– Como é o nome da criança, dona Amelinha?
– Faloíte Karolaine Pereira Lima.
O padre, cada vez mais puto:
– Dona Amelinha, a senhora sabe o que quer dizer Faloíte?
– Sei não, seu padre, sei não. Escutei na televisão…
– Falo quer dizer pênis. O elemento grego “ite” significa “doença inflamatória”. A senhora quer que sua filha se chame “pica inflamada”?
– Quero não, seu padre, quero não…
– Pois então…
Aí o padre escolhia aleatoriamente uma das folhinhas do calendário, conferia o nome do santo e avisava.
– O nome da sua filha será Luzia, em homenagem a Santa Luzia. Não é bem melhor do que “pica inflamada”?…
– É sim, senhor, é sim senhor.
O padre anotava o resto dos dados, passava água-benta e sal na cabeça da infante e dispensava a senhora.
Um dia, a negra Sebastiana apareceu na fila com seu filho recém-nascido.
– Como é o nome da criança, dona Sebastiana?
– Uóxito Ramalho de Oliveira.
O padre, cada vez mais puto:
– Dona Sebastiana, a senhora sabe quem foi George Washington?
– Sei não, seu padre, sei não.
– George Washington era um grande escravocrata tarado de Virgínia, nos Estados Unidos da América, que gostava de emprenhar as escravas negras que ele traficava da África. A senhora, que é uma pessoa de cor, vai querer que seu filho seja comparado a um escravocrata tarado e filho da égua?
– Quero não, seu padre, quero não…
– Pois então…
Aí o padre escolheu aleatoriamente uma das folhinhas do calendário, conferiu o nome do santo e avisou:
– O nome do seu filho será Benedito, em homenagem a São Benedito. Não é bem melhor do que o nome daquele escravocrata tarado e filho da égua?…
Dona Sebastiana, tímida.
– Olha, seu padre, eu ainda prefiro Uóxito. É que lá em casa todos os meus filhos têm o nome começado por “u”.
O padre Navarro, perdendo a esportiva:
– Nesse caso, dona Sebastiana, é melhor a senhora batizar esse seu crioulinho de “urubu”, que tem três “u”…
Dona Sebastiana ficou tão injuriada com a desfeita, que virou Testemunha de Jeová no mesmo dia.