Por Mouzar Benedito
“Isto deve ser obra da esquerda comunista, marronzista e badernenta”… Quem disse isso? Não, jovens, não tirem conclusões apressadas.
Esse mesmo personagem, quando candidato a prefeito de Sucupira disse também: “Vai ter uma confabulância político-sigilística sobre as nossas candidaturas”.
Era o coronel Odorico Paraguaçu, da peça O Bem-Amado, levada ao teatro em 1969, e virou telenovela que estreou em janeiro de 1973, na Globo, e fez muito sucesso.
Paulo Gracindo era o ator que o representava, com uma competência enorme, usando expressões como prafrentemente, apenasmente, bastantemente, calunismos, perguntório, providenciamentos inaugurativos e muitas outras que divertiram telespectadores de todo o Brasil.
Estou lembrando dele aqui não por aspectos políticos que possam querer identificar com o Brasil atual. Curupira era mais divertida. É que li recentemente o livro de contos Porque Lulu Bergantim não atravessou o Rubicão, de José Cândido de Carvalho, e há nele, como no maior sucesso deste autor, O Coronel e o Lobisomem, muitas expressões desse tipo.
O Coronel e o Lobisomem foi publicado em 1964, mas José Cândido de Carvalho já usava expressões semelhantes desde 1939, em seus livros ambientados no norte do estado do Rio de Janeiro. Aliás, o autor nasceu em Campos dos Goytacazes em 1914 (morreu em 1989).
Por causa de seu estilo, houve muita “suspeita” de que Dias Gomes, autor de O Bem-Amado, o tenha “imitado”, ou, para os mais agressivos, “plagiado”.
Li romances e livros de contos dele, e me diverti muito. O seu Um ninho de mafagafes cheio de mafagafinhos, de contos, publicado em 1972, foi outro livro famoso. Seus últimos livros foram Se eu morrer, telefone para o céu (1979) e Os mágicos municipais (1984).
O que citei inicialmente, Porque Lulu Bergantim não atravessou o Rubicão, foi publicado em 1970, portanto numa época em que não havia internet e os computadores eram grandes trambolhos que não tinham nem um centésimo das funções que têm hoje. Mas ele já se incomodava muito com certas mudanças havidas no mundo, incluindo essa máquina que hoje manda nas pessoas, nas relações pessoais, comerciais e tudo mais. Destrói amores, espalha ódios e afasta as pessoas – a culpa não é dela, é de quem a usa, ela só deu “voz” a quem antes ficava na sua.
Neste livro tem um texto autoapresentativo (olha eu imitando…) intitulado JCC. História pessoal. Reproduzo a seguir o último parágrafo desse texto, porque acho que ele foi um tanto profético. Vejam:
“Publiquei o primeiro livro em 1939 e o segundo precisamente 25 anos depois. Entre Olha para o céu, Frederico! e O coronel e o lobisomem o mundo mudou de roupa e de penteado. Apareceu o imposto de renda, apareceu Adolph Hitler e o enfarte apareceu. Veio a bomba atômica, veio o transplante. E a Lua deixou de ser dos namorados. Sobrevivi a todas essas catástrofes. E agora, não tendo mais o que inventar, inventaram a tal de poluição, que é doença própria de máquinas e parafusos. Que mata os verdes da terra e o azul do céu. Esse tempo não foi feito para mim. Um dia não vai haver mais azul, não vai haver mais pássaros e rosas. Vão trocar o sabiá pelo computador. Estou certo que esse monstro, feito de mil astúcias e mil ferrinhos, não leva em consideração o canto do galo nem o brotar das madrugadas. Um mundo assim, primo, não está mais por conta de Deus. Já está agindo por conta própria.
Niterói setembro de 1970”
… E isso sem falar no famoso licor de genipapo que fazia (e muito) a cabeça do Odorico.
Como ele mesmo falava: “era uma genipapação prefeitúrica jamás vista”.