Causos Políticos

As mangas rosas do Loris Cordovil

Postado por Simão Pessoa

No primeiro governo de Gilberto Mestrinho, no período 1959-1962, três mosqueteiros disputavam a primazia de servir com fidelidade canina ao poderoso boto navegador: Andrea Limongi, pai do jornalista Vicente Limongi Neto, Luiz Costa, pai da ex-deputada Márcia Costa, e Álvaro Pacheco, o “Pachequinho”.

A chegada de um D’Artagnan, configurado na presença assídua do gerente da agência local do Banco do Brasil, chamado Lóris Cordovil, deixou a corte em pé de guerra. Qualquer vacilo do gerente bancário na presença de Mestrinho, e os três caíam de pau, batendo da linha de cintura pra baixo.

Um dia, Lóris Cordovil soube que Gilberto Mestrinho era apaixonado por manga-rosa e resolveu mostrar o “full hand” que escondia na manga.

Numa bela manhã, aproximou-se da mesa do governador, desembrulhou o pacote que trazia protegido junto ao peito e, extremamente solícito, colocou, elegantemente, sobre a mesa de trabalho do professor, três portentosas mangas-rosa, as mais belas, as mais rosadas, as mais doces, as mais imaculadamente puras já colhidas em Adrianópolis.

Humilde, resolveu cutucar a onça com vara curta.

– Governador, eu trouxe essas três mangas pro senhor. Elas foram escolhidas e colhidas por mim, no meu pomar. Espero que o senhor goste do presente!

Foi a gota-d’água.

– Isso não tem cara de manga colhida em pomar, governador – debochou Andrea Limongi, olhando as frutas com cara de nojo. – Elas foram compradas lá no mercadão, tanto que já estão meio passadas. Acho até que pegaram sol demais ou muito mormaço. Nesse estado, o gosto da manga fica bastante ácido, semelhante a gosto de casca de imburana misturada com serragem. Se comer uma delas, o senhor vai pegar uma baita de uma infecção intestinal.

Pachequinho pegou uma das mangas, examinou-a contra a luz da lâmpada e vaticinou:

– Essa aqui foi derrubada por morcego. Taqui a marca da dentada. O pior é que morcego transmite raiva. Manga mordida por morcego é um veneno, governador, é um veneno!…

E recolocou a manga no lugar, limpando cuidadosamente os dedos com um lenço branco.

Luiz Costa se aproximou das frutas, começou a refazer o embrulho, e disparou à queima-roupa:

– O governador gosta de manga, mas só come quando ele mesmo colhe do pé, né não, governador?

E antes que Gilberto Mestrinho respondesse, jogou as três mangas no cesto de lixo, dando o incidente por encerrado.

Lóris Cordovil quase teve uma parada cardíaca.

No dia seguinte, os três mosqueteiros foram surpreendidos no gabinete do governador com uma nova visita do bancário. E, desta vez, ele não vinha sozinho.

Dois trabalhadores braçais traziam, sobre os ombros, um galho de dois metros contendo mais de quinze mangas-rosa, todas imaculadamente belas, puras e rosadas.

A estranha comitiva parou em frente à mesa do governador e Cordovil abriu o coração:

– Pronto, meu chefe. Pode tirar a manga do pé…

Andrea, Pacheco e Luiz Costa quase tiveram uma parada cardíaca.

Sem sequer olhar para os aspones, Cordovil aguardou que o governador colhesse as frutas, deu meia volta e foi embora de alma lavada.

Em termos de pôquer, foi um “Royal street flush” pra trapaceiro nenhum botar defeito.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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